A capa da edição de hoje do jornal Público anuncia o “fracasso no combate aos falsos recibos verdes”. Parece pouco mais do que uma evidência, mas remete para uma reportagem (disponível aqui, aqui, aqui e aqui) que traz pormenores sobre os meandros do conjunto de procedimentos da fiscalização e efectivação do cumprimento das leis laborais que se demonstram incapazes de proteger os trabalhadores e trabalhadoras, enquadrando a impunidade com que os patrões consolidam a maior fraude social no país. Quase um milhão de pessoas a falsos recibos verdes, sem contratos de trabalho e sem direitos, são uma marca pesada que não permitem desculpas e exigiriam um combate decidido.
O Governo, perante a vergonha dos números e a evidência da total incapacidade da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e dos tribunais, defende-se como pode. É, muitas vezes, um deplorável espectáculo, no qual percebemos a falta de coragem para enfrentar os interesses das entidades empregadoras incumpridoras, à custa das nossas vidas – este Governo, infelizmente, faz parte deste “equilíbrio”, em que a precariedade é oferecida como um bónus ao patronato.
Assim se percebe que, nesta reportagem, o Governo aponte ainda a última revisão do Código do Trabalho (CT) – que, prometendo um “combate à precariedade”, agravou brutalmente a realidade anterior – como o horizonte para uma mudança em que já ninguém acredita. Os números falam por si: antes da aprovação do CT, em 2008, a ACT detectou 218 casos de falsos recibos verdes; em 2009, já com o CT em vigor, foram detectadas 326… Uma colossal vergonha, tendo em conta o universo desta realidade. Para o Governo, claro, ainda não houve tempo para estas medidas terem efeito. Mas sabem que não é verdade e que o problema tem que ser resolvido com outra frontalidade e coragem. Não faltam exemplos. Basta ver como, mesmo perante a evidência da existência de falsos recibos verdes (e, diga-se, com a cumplicidade da própria ACT), este incumprimento lesou 18 recepcionistas recentemente na Fundação de Serralves (toda a história, aqui).
Tudo facilita o massacre dos falsos recibos verdes. Uma empresa, mesmo quando chega a ser notificada por não celebrar os contratos de trabalho que devia, pode sempre contestar sem ter que prestar qualquer garantia bancária no valor da coima a que corresponde a infracção. Tudo fácil para os patrões. Bem diferente é a nossa situação: perante a petição “Recibos Verdes: Antes da Dívida Temos Direitos!“, que denunciou e exigiu uma solução perante a vergonha das dívidas injustas à Segurança Social dos trabalhadores e trabalhadoras a falsos recibos verdes, o Partido Socialista, com a ajuda do CDS/PP, impôs um desfecho que obriga o trabalhador prejudicado a colocar o seu patrão em tribunal e… a apresentar uma garantia bancária! A reportagem descreve com detalhe outras desigualdades e, no fundo, como o quadro último de exercício dos direitos – a que, pela sua condição, a larguíssima maioria dos trabalhadores nem chega a recorrer – é a garantia final para que quem não cumpre vença sempre. Perante esta realidade, só um total alheamento ou má fé pode levar o Partido Socialista a dizer-nos que “tem que ser o trabalhador a tomar a iniciativa”.
A presidente do Sindicato dos Inspectores do Trabalho, Maria Armanda Carvalho, questiona-se sobre a eficácia do actual quadro legal para o combate aos falsos recibos verdes. Nós, contribuindo para esse debate, continuamos a dizer que não. Mas, sobretudo, sabemos que, apesar de muito importante, é preciso muito mais do que apenas boas leis. Tem que terminar a impunidade de todos os patrões que não respeitam os direitos mais básicos de quem trabalha, o que exige um combate amplo e a sério. Nós cá estamos para ele, com muitas outras pessoas que encontramos neste caminho de lutas pelas nossas vidas.
outras notícias:
– no Diário de Notícias, aqui e também aqui (com a posição dos movimentos); – na SIC, aqui; – na TVI24, aqui;