"O medo da rua": opinião de São José Almeida no jornal Público de hoje
O medo da rua
Precários nos querem, rebeldes nos terão” é a palavra de ordem usada desde 2009 pelo movimento Precários Inflexíveis, criada em 2008, para enquadrar a luta por direitos laborais e dignidade social dos trabalhadores, sobretudo jovens, que são confrontados com as chamadas “regras dos mercados” em relação ao trabalho, ou seja, quando sofrem na pele a impossibilidade de projectarem e construírem o que se convencionou chamar a sua carreira e a sua vida. Esta organização juntou-se em 2007 a um outro movimento que existia desde 2007, os Ferve – Fartos destes Recibos Verdes, à Associação de Bolseiros de Investigação Científica, também de 2007, e aos Intermitentes do Espectáculo, que começaram a sua luta organizada em 2006.
A palavra de ordem dos Precários Inflexíveis ecoou esta semana na Net, num pequeno filme, que os próprios divulgaram, relatando a ocupação que fizeram de um call center do BES (aqui o nome da instituição bancária não é o mais relevante, mas não deixa de ser simbólico, uma vez que o Grupo Espírito Santo tem o peso específico que tem na economia portuguesa). Esta ocupação, que se segue a outras que este movimento já fez, ocorreu no dia 10 de Novembro e tinha como objectivo convocar os trabalhadores precários, isto é, sem vínculo permanente e sem direitos laborais constitucionais plenos, a aderirem à greve de dia 24 de Novembro.
Esta ocupação passou despercebida na comunicação social generalista, onde, aliás, a presença dos novos movimentos sociais e a problemática do crescimento desmesurado do precariado em Portugal raramente são questionadas. Mas a luta dos precários, que tão separada e ignorada foi inicialmente pelas centrais sindicais clássicas, está na ordem do dia e está intimamente ligada à chamada “crise económica” que se vive em Portugal e na Europa. Isto porque ela é a luta dos que são excluídos, empurrados para a margem, que vêem a sua dignidade negada pela lógica do sistema e do modelo de sociedade que o chamado “mundo ocidental” construiu nos últimos 30 anos devido à influencia e ao domínio ideológico do neoliberalismo.
Um mundo em que o endeusamento acrítico e acéfalo dos chamados “mercados” – um conceito assepticamente criado para mitificar aquilo que são um grupo de multinacionais financeiras, que têm accionistas, donos com nome e cara – tem permitido uma luta de classes invertida, de cima para baixo, feita a partir do poder e pelo poder, contra o trabalho, contra os assalariados. E que é responsável pela progressiva perda de direitos laborais e sociais dos trabalhadores e também pela degradação da sua qualidade de vida.
Ora, o problema é que a lógica infernal da sagração dos “mercados” e da acção neoliberal agora deixou de pôr em causa apenas os trabalhadores individualmente, mas começa a ditar as suas exigências e a cobrá-las perante os Estados mais frágeis e financeiramente mais pobres. É isso e não mais nem menos que isso que está por de trás da actual crise económica. A lógica e o sistema que propagandisticamente se intitulou contra o Estado omnipresente, contra o Estado social, em nome do regresso de uma forma qualquer de Estado policial – veja-se, por exemplo, a tendência securitária que cresce em Portugal, nomeadamente na fúria da compra de carros blindados antimanifestantes, que até descobre, de repente, que há armas nos bairros sociais, coisa que existe há décadas e nunca parece ter preocupado particularmente nenhum governo -, subiu um degrau na revolução social que pôs em curso há décadas.
Agora os algozes tornam-se vítimas, ou seja, os dirigentes governativos, administrativos e empresariais que têm servido os interesses dos sacrossantos “mercados” – na expectativa de serem presenteados com bons empregos e suas benesses (os poderes sempre trataram bem as aristocracias que os serviram, está na história do mundo) – são agora apertados para prosseguir a lógica do sistema. E diminuir a qualidade de vida das populações dos Estados ditos mais fracos, ou periféricos.
Enquanto isso, em Portugal, no poder político ao mais alto nível ensaia-se conversas sobre a descoberta de um novo duque de Saldanha, que faça a nova Restauração, com o objectivo confesso de substituir o actual primeiroministro, José Sócrates, cuja autoridade e credibilidade públicas implodiram centrifugados pela lógica neoliberal que o próprio aceitou, desde que há seis anos subiu ao poder. Uma degradação de autoridade e de credibilidade de um primeiro-ministro que ameaça arrastar consigo a autoridade e a credibilidade da classe política portuguesa e das instituições democráticas, tal o estado de degradação do regime.
Os que tentam encontrar uma solução que restabeleça a autoridade e a ordem assumem o argumento oficioso do da rua, do medo que os trabalhadores portugueses, quando perceberem os efeitos dos cortes na sua Qualidade de vida, quando receberem o novo ordenado em final de Janeiro e sentirem os efeitos concretos dos cortes orçamentais nos serviços públicos, comecem a revoltar-se e a manifestar-se.
Resta saber até que ponto essa solução regeneradora, esse novo duque de Saldanha – seja ele encontrado através de um golpe de Estado institucional e de um acordo de bastidores do actual poder, seja através de eleições -, irá estabelecer uma nova ordem social de facto, ou se vai apenas continuar a cumprir as ordens dos “mercados”.
Uma coisa é certa. Palavras de ordem como a dos “Precários nos querem, rebeldes nos terão” está a tirar o sono a quem de facto detém o poder em Portugal. É por isso mesmo, é por ser tão transparente, que a capacidade de protesto, de rebeldia, de revolta é, como sempre foi historicamente, determinante para influenciar o poder e o seu exercício, que a greve geral de dia 24 de Novembro e a manifestação nacional convocada para o mesmo dia adquirem, neste particular momento da sociedade portuguesa, uma importância tão grande.
Se se fizesse metade do que se fez na França, cagavam-se todos. Em Portugal, a classe política vive impune e numa passividade incrível. Tudo é permitido. E porquê? Porque o povo nada faz: fala, fala, mas não faz nada. O povo está inerte, ensimesmado numa letargia total que nem reage. Como é que se admite que um primeiro-ministro como o Sócrates, tenha um diploma tirado ao Domingo e continue no emprego como se nada fosse?; tem o seu «melhor amigo» acusado de corrupção e vai à TV dizer que tem orgulho nele; o melhor amigo vai à TV dizer que aquilo que é hoje em dia, o é graças aos conhecimentos que teve; etc., etc., etc. Mas anda tudo doido ou quê? Onde é que já chegámos? O pior é que não são estes dois que são piores que todos os outros. Eles são todos iguais. Simplesmente foram mais estúpidos e não souberam camuflar bem as suas vidas «poluídas». Direita, Esquerda, Centro, é tudo igual. Portugal está completamente minado de mediocridade em todas as esferas da vida política e institucional. Que interessa votar outro partido, se o sistema é o mesmo. Pessoas mudam, mas as coisas vão continuar iguais. Isto não vai lá com conversas, mas só com a mobilização total do povo, na rua, a exigir mudanças e, se for preciso, com recurso à força. Se os jovens se unirem de uma vez, na rua, decerto que o resto do povo se junta a nós. Nenhum pai quer isto que se vê para os seus filhos. Infelizmente nem toda a gente tem possibilidade de emigrar, pq senão, já ainda mais jovens tinham partido. Não podemos continuar a ver o país entregue à mediocridade política. Portugal é aquilo que todos queremos fazer. Portugal é possível se o povo quiser.
Parece que toda a gente se esqueceu de marcar marcha no 24 próximo… Acho que um passeio colectivo digamos do eduardo sétimo (depois do almoço, aproveitava-se o relvado para piqueniques) até à festa no rossio era o mínimo…