O mundo novo da "geração dos 500 euros"

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Será que os jovens de hoje se interessam menos por política do que os jovens de há 20 ou 30 anos?
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Por que será que os jovens não se interessam por política? Será mesmo verdade que os jovens não se interessam por política? E qual será a importância de os jovens não se interessarem por política? Por pressão do Presidente da República, a opinião publicada começou a debater a relação dos jovens com a política. Na sessão solene do 25 de Abril, Cavaco Silva decidiu acordar o país para uma realidade adormecida e que lhe foi demonstrada por um estudo que encomendou à Universidade Católica. E, com base nele, tentar alertar a classe política e as direcções dos partidos.
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E que conclusões são essas que preocupam Cavaco Silva? O Presidente adverte que os grupos etários abaixo dos 30 anos demonstram “mais baixos níveis de conhecimentos políticos” e são os “mais favoráveis à introdução de reformas incrementais e limitadas no sistema”. Mas, segundo Cavaco Silva, o estudo também diz que “é notória a insatisfação dos portugueses com o funcionamento da democracia, assim como a existência de atitudes favoráveis a reformas profundas na sociedade portuguesa” – ou seja, embora haja mais conhecimentos sobre política nos grupos etários acima dos 30 anos, o desfasamento e a ruptura entre os representantes políticos e os eleitores, mais ou menos novos, é uma verdade.
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Prova disso é o Presidente ter afirmado que, segundo o estudo, “exceptuando o exercício do direito de voto, a população portuguesa tende a ser céptica em relação à eficácia da participação política tradicional, isto é, aquela que é feita através dos partidos”. E que “em termos comparativos, além da Hungria e da Eslováquia, Portugal é o país europeu em que os cidadãos dão menos importância à política nas suas vidas”.
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Conclusão: a sociedade portuguesa, toda ela, está afastada da política e desconfia dos seus actores principais e incontornáveis, os partidos. Facto a que não é alheia a imagem que os partidos dão de si mesmos e a imagem de promiscuidade e de clientelismo que a política portuguesa tem junto dos cidadãos. Imagem que, aliás, está já na base das soluções apontadas por Cavaco.
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Muito se tem dito sobre os jovens desde o discurso do Presidente. Mas há algumas questões a levantar. A primeira das quais é – por contraste com qualquer atitude de alarmismo sobre a despolitização ou o comportamento dos jovens – a de relativizar o problema. Será que os jovens de hoje se interessam menos por política do que os jovens de há 20 ou 30 anos? Há 30 anos vivia-se um clima de democratização da sociedade e a “novidade” da política era imensamente atractiva para os jovens, mas será que não eram só alguns sectores da juventude que se interessavam e se envolviam na política? Existirão dados para se poder comparar cientificamente o comportamento social da juventude portuguesa de hoje com a de há duas e três décadas?
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É certo que o envolvimento cívico dos cidadãos é desejável. É certo que a preocupação do Presidente é não só válida, como pertinente e importante. Mas, para além de ser uma preocupação que deve existir para com todos os cidadãos, independentemente da sua idade, no que toca aos jovens, a questão é procurar perceber se o seu afastamento em relação à política se deve à forma como ela se faz em Portugal, com a qual não se sentem identificados, ou se a questão é mais profunda e tem a ver com uma rejeição do sistema. Será que os jovens se podem sentir identificados com um modelo de sociedade que o que tem para lhes oferecer é uma vida a prazo com direitos limitados em comparação com os outros?
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Cavaco Silva mostrou-se – muito correctamente – preocupado com o futuro do país que será deixado aos jovens de hoje e com a relação destes com a construção desse futuro. Mas, ainda que genuína, será que a preocupação é consequente? Será que alguém está disposto a fazer o resto da leitura no que se refere ao futuro e ao presente dos jovens e ao modelo de sociedade que está a ser construído?
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Mais uma vez o problema não é só português, mas salientemos alguns factos sobre a sociedade portuguesa. O Instituto Nacional de Estatística diz que havia, em Fevereiro passado, 898.000 trabalhadores por conta própria isolados, dos quais, de acordo com os especialistas, cerca de metade serão falsos recibos verdes. Segundo o INE, em 2007, havia 684.800 trabalhadores com contrato de trabalho com termo. Está estudado que os jovens apenas têm acesso a este tipo de trabalho e que esta realidade tende a crescer e é vista como positiva pela maioria dos decisores políticos. É uma realidade, percebida pelos estudiosos, que os jovens precários não se revêem nas estruturas de representação social tradicionais – partidos e sindicatos – e que já se associam em estruturas de representação alternativas (Fartos destes Recibos Verdes, Ferve, Precários Inflexíveis, Associação dos Bolseiros de Investigação Científica, ABIC, Intermitentes do Espectáculo, May Day). Como querem esses mesmos decisores que os jovens se revejam e se interessem pelo sistema que é responsável por serem conhecidos como a “geração dos 500 euros”?
Nos anos 60, pelo mundo e não só em França, o desfasamento entre o statu quo e o futuro, que era protagonizado pelos jovens, também não gerou nenhuma revolução política. É verdade que De Gaulle não caiu com os gritos de “é proibido proibir”, nem a guerra do Vietname acabou pelas manifestações de beatniks, hippies e freaks. Então, como hoje, o statu quo manteve-se. Mas o desfasamento era real e deu origem a um mundo novo. É talvez altura de perceber que há um mundo novo a surgir-nos debaixo dos pés, mesmo que ele não tenha ainda expressão política significativa ou que esta seja reconhecível pelas velhas linguagens. E que esse mundo novo não pode ser compatível e rever-se no mundo velho, bafiento, promíscuo e clientelar que é representado pela política portuguesa.
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São José Almeida
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Jornalista
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(texto de opinião publicado no jornal “Público” a 10 de Maio)
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