O Primeiro-Ministro, as Redes de Nova Geração e os precários

Governo anuncia criação de 25 mil postos de trabalho nas Redes de Nova Geração

Na sua edição de hoje, o Jornal de Notícias dá conta da jornada eleitoral, perdão, governamental do nosso Primeiro, ontem, na zona do Grande Porto. A manhã socrática foi inteiramente dedicada às Redes de Nova Geração, vulgo RNG. “José Sócrates quis”, escreve o matutino nortenho, “verificar o cumprimento dos compromissos assumidos pelos operadores de comunicações, entre eles o de criar milhares de empregos”. Fica muito bem ao Sr. Primeiro-Ministro esta preocupação em verificar se os operadores de comunicações cumprem as suas promessas. Trata-se, aliás, de um excelente exemplo para o próprio Sócrates seguir, uma vez que há quatro anos prometeu aos Portugueses criar 150 mil novos empregos durante esta legislatura. Talvez os operadores de comunicações devessem trocar galhardetes com o Primeiro-Ministro e “verificar”, por sua vez, se este está a cumprir o prometido. A não ser que estes 25 mil empregos (é a estimativa do Governo para a ‘operação’) façam parte do pacote, constituíndo assim uma espécie de ‘promessa em segunda mão’ do Primeiro-Ministro, ficando explicada a preocupação em garantir que as operadoras façam a parte delas para que assim o governo possa também mostrar serviço.

Prosseguindo a leitura da notícia, ficamos a saber que, destes 25 mil “postos de trabalho que o Governo estima que sejam gerados pela indústria das Redes de Nova Geração (RNG)”, (…)”15 mil serão criados pelos operadores de comunicações”. O que, não só lança luz sobre a frase anterior como nos deixa extremamente descansados, já que o país precisa, efectivamente, de mais trabalhadores na área das telecomunicações. Há muito poucos Portugueses a trabalhar ao telefone, ou nas redes virtuais, e a maioria de nós julga que um call center é uma reunião de jogadores de futebol no meio-campo, respondendo à chamada verbal de um árbitro, de forma que parece boa ideia criar mais 15 mil postos de trabalho em operadoras de telecomunicações. Que serão nada mais nada menos que… ora pois: a ZON (NetCabo), a PT e a SonaeCom, três empresas pobrezinhas, às quais o Primeiro-Ministro fez questão de recordar que poderiam contar com os indispensáveis apoios do Estado, “começando pela garantia de acesso ao crédito, passando pelos benefícios fiscais”. Mais uma vez, ficamos muitíssimo aliviados, pois como fariam a PT, a NetCAbo e a SonaeCom sem estes justíssimos apoios do Estado – leia-se, contributos de todos nós?

Mas falemos de números: segundo o artigo do JN, 5000 postos de trabalho serão criados na rede de fibra óptica com que a PT prevê, ainda este ano, garantir que esta tecnologia de ponta chegue a um milhão de lares, fazendo com que Portugal fique “no terceiro lugar em termos de cobertura de fibra óptica, atrás da Coreia e do Japão”. O que achamos um objectivo muito louvável. Só esperamos que, juntamente com a fibra óptica, chegue também o pequeno-almoço às mesas dos milhares de crianças que todas as manhãs se deslocam para as escolas deste país em jejum para depois navegarem com alegria nos Magalhães com que o Governo Sócrates os presenteou.
Haverá ainda 1500 empregos no novo Call-Center da ZON em Matosinhos, e mais 7500 indirectos decorrentes deste último, os quais, através da leitura da notícia, não conseguimos descortinar em que consistirão. Estamos certos, porém de que seremos em breve esclarecidos. E como, tudo somado, só contámos 14 mil, presumimos que os restantes (11 mil!) serão criados pela Sonaecom, que o nosso primeiro deixou para visitar hoje, terça-feira, já que ontem foi longo o périplo pelas empresas do Norte empenhadas em tornar as RNG o ovo de Colombo do (des)emprego nacional.

Por fim – mas não por último – , quando questionado sobre se estes futuros empregos serão ou não precários (ora mas que pergunta impertinente!), o Primeiro-Ministro foi peremptório: mas de forma alguma! Estamos perante “postos de trabalho altamente especializados, que poderá igualmente ser exportado, uma vez que todos os países estão a estudar as redes de nova geração e nós estamos à frente”, afirmou. Os Precários Inflexíveis congratulam-se desde já pelo facto de o Sr. Primeiro-Ministro ter feito o trabalho de casa e se ter informado previamente junto dos seus amigos da PT, da NetCabo e da SonaeCom quanto ao tipo de contratos a efectuar com os futuros trabalhadores ligados às RNG. E, aliás, achamos deveras estranha a preocupação com este assunto, uma vez que as empresas em questão costumam – toda a gente o sabe! – contratar os seus trabalhadores directamente. Estamos convencidos, aliás, que os seus presidentes nunca ouviram falar em ETT’s, outsourcing ou outras expressões misteriosas do género…

Por falar em mistério, fica também por esclarecer a que se referia o Primeiro-ministro quando disse “que poderá igualmente ser exportado”? É que, na sequência da frase, e tendo mencionado logo a seguir que estávamos à frente dos nossos parceiros europeus, ficou a parecer que se tratava do trabalho precário. Mas, apesar de estarmos certos que Portugal poderia dar lições a toda a Europa neste ponto, talvez pudéssemos especializar-nos mais um pouco antes de exportarmos o modelo, não?

MZ

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