Opinião: Cavaco, o garante da instabilidade
O actual Presidente da República tem pautado a sua conduta nas últimas semanas pela exacerbação das piores características que exibiu na sua longuíssima carreira política: sectarismo, defesa intransigente dos seus interesses partidários, desprezo total pela democracia. Hoje Cavaco Silva exigiu a António Costa que o seu acordo para viabilização de um governo com as forças à esquerda inclua exactamente aquilo que não faz parte do acordo: a obediência cega ao Tratado Orçamental, à NATO, a desvalorização do Parlamento frente à Concertação Social, e a natural prioridade total dada ao suporte do sistema financeiro. Cavaco exige basicamente que tudo fique na mesma para dar posse a Costa. O desprezo pelo resultado eleitoral é a bandeira do Presidente da República a um mês das eleições presidenciais.
Depois de 49 dias de desfecho previsível, porque os agentes políticos em jogo já há deixaram claro o que iriam fazer, Aníbal Cavaco Silva destaca-se pela sua intransigência na acção ilegal e inconstitucional, ao recusar-se a dar posse à única alternativa governativa com suporte parlamentar maioritário, isto é, à única solução de governo, neste caso do PS de António Costa. Depois de se conhecerem os contornos dos acordos à esquerda (que viabilizam a formação do governo PS e não procuram os pontos de clivagem entre as quatro forças partidárias) e de chumbado o governo de coligação PSD-CDS, Cavaco Silva entrou em missão de “diálogo” com forças da sociedade, em que o presidente convocou a Belém um enorme contigente de pessoas e organizações que concordavam com a sua opinião, realizando concretamente várias reuniões consigo mesmo durante estas semanas.
Procurando continuar a sua campanha de recusa de um acordo com o qual discorda mas que não tem o poder para recusar, hoje Cavaco Silva convocou António Costa a Belém para lhe dizer que o acordo tem de ter tudo aquilo que não tem. As diferenças que existem entre as forças políticas devem, segundo Cavaco, desaparecer para que o acordo seja viável. Ao introduzir a questão da todas as moções de confiança nos seus pontos, Cavaco pretende que os partidos à esquerda do PS se veiculem ao mesmo, sem garantias de quais serão as políticas futuras. Ao introduzir a questão dos Orçamentos do Estado, pretende também que sejam passados 4 cheques em branco ao PS, independentemente das políticas seguidas. Ao exigir o cumprimento das regras do Tratado Orçamental o presidente procura criar uma nova clivagem, uma vez que está implícito no acordo cumprir metas orçamentais. Ao exigir o respeito dos compromissos internacionais de defesa colectiva, Cavaco já tem em vista veicular os partidos à esquerda do PS a mais uma aventura “cowboyada” dinamizada pela NATO, desta vez na Síria e na Líbia, de modo a garantir a guerra contínua no Médio Oriente e a sua expansão a todo o mundo. Ao destacar a Concertação Social, Cavaco não diz menos do que afirmar que não concorda com o aumento do salário mínimo e que esse assunto deve ser levado para o terreno das entidades patronais, que querem como sempre pagar o mínimo possível para ganharem o máximo. Finalmente, Cavaco assume que esse acordo deve priorizar a banca e a finança sobre a população do país e os seus interesses. Uma vassoura para varrer a democracia e impor a política que foi derrotada nas últimas eleições.
Cavaco pretende, portanto, fazer o maior brilharete da sua carreira, após 30 anos em que comandou tanta destruição e em que foi tão responsável pela degradação social no país. Não exige menos do que veicular os partidos à esquerda do PS ao próprio PS. Mas pior, exige que o PS se veicule ao programa da PàF e que governe exactamente como a PàF governaria. É óbvio que Cavaco não tem poder para fazer isto. Mas a legitimidade ou legalidade já são neste momento detalhes. A pouco mais de um mês de deixar Belém, Cavaco garante um pântano para o país. O garante da instabilidade democrática ocupa o cargo mais poderoso do país.
João Camargo
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