Opinião :: Entre o jornalismo precário e a liberdade de imprensa

Havia um tempo em que o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, implementado pela UNESCO e assinalado no passado dia 3 de Maio, era ligado apenas àqueles países de que poucos querem falar, onde a transmissão de informação é feita de forma clandestina e em ambientes onde as notícias se “cortam à faca”.

Finalmente percebeu-se que, por aqui, as notícias também se cortam em talhadas. E houve até quem conseguisse aplicar a realidade à informação. Joaquim Fidalgo, ilustre docente e jornalista, afirmou no Diário Digital/Lusa que “A liberdade de imprensa pode ser indirectamente ameaçada pela dificuldade crescente das empresas e pelas dificuldades económicas que se colocam”. Uma das suas soluções é a de que “a sociedade portuguesa em geral deve estar sensibilizada para a importância da informação pelo que cada um poderá contribuir apenas com um gesto, comprar jornais, ouvir notícias na rádio e seguir os noticiários.”

Alfredo Maia, presidente do Sindicato de Jornalistas, também associa a “falta” de liberdade de imprensa à precariedade laboral no sector, embora peque pela falta de ofensivas à mesma.

O curioso nisto tudo é lembrarmo-nos daquele dia de 2007 em que um jornalista, vencedor do Prémio Gazeta Revelação 2006, se serviu do “tempo de antena”, ao lado do Presidente da República, para denunciar uma situação de precariedade já estabelecida e dedicar o seu prémio a “todos os jornalistas precários”. Nem por isso houve mudanças. Nem para ele nem para o resto da classe. Desde então, as coisas só têm vindo a piorar. Mais curioso ainda, é o mesmo jornalista, João Pacheco, ter sido chamado este mês à Assembleia da República para dar a sua opinião junto da Comissão de Ética sobre a tal falada liberdade de imprensa.

Há pelo menos três anos que João Pacheco fala claramente sobre a relação entre precariedade e o condicionamento da liberdade de imprensa. E, na Comissão de Ética, disse claramente que o Estado era conivente com esta situação e, consequentemente, principal condicionador da mesma. Onde estão os ecos desta informação? Será o “Correio da Manhã” o único sem “telhados de vidro”? Ou mesmo tendo, que continue a informar? Custa a crer.

Onde anda a informação nos “mais respeitados” meios de comunicação?

Há factores que nos indicam que nem todos estão bem cientes da realidade na classe jornalística. Adelino Gomes, um dos fundadores do jornal “Público”, ex-Provedor do Ouvinte da RDP e um dos melhores e mais respeitados jornalistas em Portugal, afirmou no programa “Agora a Sério” do canal Q que “a crise económica e a crise dos leitores e a crise das audiências levam à precariedade na profissão. E a precariedade na profissão é mãe de muitos erros… Dos patrões que procuram ter uma mão-de-obra cada vez mais barata e menos estável e dos próprios trabalhadores que não só são amedrontados como se deixam amedrontar. E essa é alguma coisa com que eu não me conformo.”

É óbvio que a precariedade condiciona a liberdade de imprensa. Se o vínculo de trabalho é precário, o jornalista faz tudo para não ferir susceptibilidades junto do empregador. Tudo para não perder a colaboração e consequente sustento de um dia para o outro. Mas há por aí almas bem corajosas. E a pergunta impõe-se: será que Adelino Gomes não reparou no testemunho de João Pacheco na cerimónia de entrega do prémio Gazeta 2006 (nessa altura a trabalhar para o “Público”)? É esta a realidade no jornalismo pelo que, mesmo que a situação obrigue a manter um “low profile”, asseguramos que há quem não se deixe amedrontar. E é por aí que estão os que desejam um jornalismo livre, sem condicionantes, um jornalismo a sério…

Mariana Mata (Jornalista e Activista dos Precários Inflexíveis)

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