Opinião :: Não, o plano da troika não vai falhar
Cada vez mais se põe em dúvida se o plano apresentado pela troika para a recuperação financeira de Portugal não falhará, como vem sucedendo na Grécia e Irlanda. Não é credível que falhe, pela simples razão que o objectivo do plano da troika não é, nem nunca foi, a recuperação das economias.
O FMI, fundado em 1944 nos Estados Unidos, apresentou este plano, sem tirar nem pôr (excepto na questão monetária), a centenas de países por todo o mundo e, regra geral, sempre logrou alcançar os seus objectivos. A questão é muito simples: Qual é o objectivo do FMI?
As medidas de disciplina fiscal, redução de gastos públicos, reforma tributária, juros decididos pelos mercados, abertura comercial, abertura total a investimento estrangeiro directo, privatização de empresas estatais e desregulamentação do trabalho e da economia em geral, embora sejam tomadas sob o título de ciência económica, mais não são que uma imposição ideológica com o objectivo expresso de retirar a capacidade de soberania económica, democracia, decisão interna e abrir a economia ao saque pela finança.
Vivi mais de um ano em África. Antes disso havia estudado profundamente a actuação de FMI e Banco Mundial no continente, em particular na África Subsahariana. Repugnou-me a submissão das chefias africanas a estes braços armados do capital financeiro, embora compreendesse claramente que estas chefias recebiam o seu quinhão para permitir o saque dos seus países, que se fazia pela especulação, devastação social e ecológica. Pasmava-me a passividade que as populações locais tinham perante esta situação, mas o baixíssimo nível de informação, aliado à forte predominância de economias paralelas, relativamente imunes a estas “intervenções” oficiais, ajudavam a explicá-la. O FMI e o Banco Mundial decidiam um a um quem seriam os ministros de estado, que medidas seriam aprovadas nos parlamentos, que investimentos prioritários seriam feitos. Estas duas entidades são as primeiras responsáveis pela situação actual em que vivem os povos da África Subsahariana.
Na América Latina e do Sul a situação já era bastante diferente e as populações indignavam-se constantemente pelo roubo oficial que se fazia em plena luz do dia. Hoje, o FMI implantou-se na Europa. E apesar das teorias bacocas do excepcionalismo europeu, da superioridade (estatística) a nível de educação e informação, a população está a aceitar passivamente a entrada de um colonizador em Portugal. Esta situação resulta da criação de consensos irracionais pela repetição à náusea de mentiras, pela construção de uma hegemonia no discurso que deriva directamente da concentração total da propriedade dos meios de comunicação por parte dos capatazes que receberão o seu quinhão dos colonizadores da troika. A verdade está à luz do dia para que todos a possam observar. A União Europeia ultrapassa o FMI nesta agenda de conquista.
A maioria das medidas impostas não terá um efeito económico directo. Não tem qualquer justificação que não seja a imposição de uma doutrina económica extremista que apela única e exclusivamente à lei do mais forte, banindo o conceito de solidariedade da sociedade.
O objectivo da troika não é a recuperação da economia. O objectivo da troika é deslocar os bens e serviços públicos, através de privatizações, das mãos daqueles que contribuíram com os seus impostos para a sua construção, para as mãos de privados, que apenas terão de “colher” os lucros dessa árvore madura. O objectivo da troika é abrir os mercados ao estrangeiro para fugas de capital, proveniente da “venda” de bens e serviços públicos. O objectivo da troika é a privatização dos recursos naturais, os quais uma vez valorizados em termos monetários estarão prontos a ser devastados. O objectivo da troika é destruir os direitos dos trabalhadores e subjugá-los à arbitrariedade da boa-vontade de empregadores. O objectivo da troika é a terceira-mundização de Portugal.
Este plano só poderá ser parado nas ruas. As chefias estão altamente comprometidas em servir a troika para receberem o seu quinhão. Há mesmo um nós e um eles – não estamos todos no mesmo barco. Se nada fizermos, o plano da troika não vai falhar. Vai destruir a sociedade em que vivemos.
by
João Camargo