Opinião: O problema do desajustamento II

(continuação)

Ainda não nos adaptámos à nova realidade?

Multiplicam-se os argumentos reaccionários contra as pessoas que não conhecem outra realidade além da precariedade. São, de resto, argumentos que chocam com a realidade da maioria da população.

“Já não existe o emprego para toda vida”. É este o argumento que defende a flexibilidade e que aceita a inevitabilidade da precariedade. De facto, há várias funções necessárias para a sociedade que não são permanentes e haverá talvez muita gente que deseja desempenhar variadas funções ao longo da sua vida activa. Mas esta defesa da “flexi-segurança” (que defende a flexibilidade e esquece a segurança) omite a principal questão que tem sido todos os dias posta em causa: os direitos da classe trabalhadora. É um argumento que esquece que há cada vez mais pessoas que não têm acesso à segurança social, que têm uma jornada de trabalho e crescente, que trabalham durante mais anos da sua vida, que têm menores salários…

“Os jovens têm que trabalhar e serem os melhores”. A cultura do mérito é a solução apresentada aos milhares de pessoas que terminaram a sua formação superior nas últimas décadas. Já não é permitido ser-se apenas bom, agora é preciso ser-se o melhor (se for conhecido, tanto melhor). Já não basta ter boas ideias e produzir bem o socialmente necessário, agora é preciso ser-se genial e produzir “como se não houvesse amanhã”, porque é assim que se aumenta a fasquia para o resto da classe trabalhadora e é assim que se põe toda a gente (até quem “não é muito bom”) a produzir mais. Fazendo bem as contas, este é o segredo genial que enche os bolsos daqueles que dão (mais) trabalho e (menos) salário.

Será a vida das pessoas e o seu empenho que está desajustado da realidade ou será antes este cardápio de argumentos que não encontram correspondência na realidade da vida da maioria da população?

Avizinha-se o dia 12 de Março, dia para o qual estão convocadas vários protestos por uma vida sem precariedade. Serão manifestações onde as pessoas recusam a inevitabilidade do trabalho precário e do desemprego, onde recusam os baixos salários que impossibilitam a autonomia, onde recusam a perda de direitos e da solidariedade social necessária em contexto de desemprego ou doença ou parentalidade ou velhice.

Estas pessoas sabem o que querem. Querem deixar de ser escravas. E certamente sairão desta manifestação com a determinação de reconstruir um mundo que não seja parvo.

Ana F.

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