Opinião: Parvos? Quem somos afinal?
Já nos chamaram de ‘geração rasca’, de ‘geração à rasca’, de ‘geração nem-nem’ mas geração parva?! Haja limites!
Os Deolinda construíram uma canção que retrata a sociedade. Muito bem.
A história da música tem alguns exemplos de crítica à sociedade portuguesa que não resultaram. Dizer e depois vir dizer que não se disse, desacredita qualquer um. Mas são tudo interpretações. Os Deolinda nem sequer chamaram os bois pelos nomes, mas está lá tudo. Retrataram ironicamente uma geração (ou mais do que uma até).
A letra de “Que Parva que eu Sou” fez com que muitos se levantassem. Foi um momento de identificação para um colectivo, a da geração mais qualificada e maltratada de Portugal. Será um hino? Uma geração parva? Quem somos afinal? Nem mais nem menos do que os muitos que vivem nesse “mundo parvo onde para ser escravos temos que estudar.”
Parvo será afirmar que somos uma ‘geração parva’ e insistir no epíteto. Há que ler, ouvir e interpretar a música para perceber a ironia da coisa. O facto de os Deolinda terem pegado no tema de forma irónica para dizerem por A + B que o pessoal mais qualificado é escravizado, não é sinónimo de sermos uma geração “parva”. Pelo contrário e repetindo: parvo é afirmarmos tal coisa. Esta geração “jovem”, em que parte dela já passou o prazo fresco de validade do mercado de trabalho e se situa entre os 20 e os 40 anos (e por aí fora) onde os elementos dos Deolinda se enquadram, pouco tem de parvoíce. E já agora, paremos com os ‘ecos’ desinformados e ouçamos até ao fim…
Afinal esta é a geração mais qualificada que Portugal alguma vez viu. Parvo é insistir em chantagear estas gerações, empurrarem-nas para sistemas de sobrevivência inacreditáveis, fazerem com que se adie a saída de casa dos pais, a constituição de uma família e o rejuvenescimento da população e – pasme-se (se houver quem ainda não saiba) –, oferecerem valores e condições piores do que as oferecidas a profissões muito menos qualificadas.
Na realidade, esta identificação geral resume-se na conclusão da própria letra:
“Que parva que eu sou!
Sou da geração ‘eu já não posso mais!’
Que esta situação dura há tempo demais.
Sou da geração ‘eu já não posso mais!’
Que esta situação dura há tempo demais.
E parva não sou!
E fico a pensar,
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar.”
E fico a pensar,
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar.”
E aí não restam dúvidas sobre os que andam armados em parvos. Decerto que não é esta tal geração que já não pode mais.
Já agora, embora em Portugal o fenómeno assuma contornos originais e únicos, a “coisa” extravasou e foi traduzida e alvo de notícia nos países vizinhos:
Espanha:
El himno de la generación de precarios de Portugal (El Mundo)
La crisis portuguesa en una canción (Galiza)
Itália: nuovo Fado sul precariato: Portogallo come l’Italia o peggio
Mariana Mata







http://nestenossoportugal.blogspot.com/2010/10/quanto-ganham-os-boys-do-ps.html
Já Não Posso Mais!
Sou uma jovem de 27 anos e comecei a trabalhar aos 16 anos. Já trabalhei numa sapataria, em lojas, numa parafarmácia e em call centers. Em todos estes trabalhos fui bem sucedida, visto ser, e citando colegas e chefes 'uma pessoa inteligente, trabalhadora e atenciosa'. Claro que falta dizer que nunca deixei de estudar por isso, todos estes trabalhos foram em part-time e trabalhos de férias para ajudar a pagar os estudos: Licenciei-me com boa nota e concluí um Mestrado com melhor média ainda. E posso dizer que deu bastante trabalho. Acabado o mestrado consegui trabalho durante quase um ano como bolseira de investigação científica. Trabalho duro, para quem não sabe, pois além de exigir muito mentalmente, também é fisicamente exigente, tendo mesmo tido vários dias de trabalho de 13 horas, alguns fins de semana e ainda levava trabalho para casa (trabalho este sempre feito com vontade, sem nenhum queixume). Terminados os primeiros meses deste contracto foi renovado por mais 4 meses. Terminado este período deixou de haver dinheiro para renovar contracto e fiquei desempregada. (cont.)
Sempre vivi em casa da minha mãe (que é mãe solteira e não é rica), e nos ultimos meses fui ajudando com uma parte do meu ordenado (bolsa). Agora estou desempregada e não posso ajudá-la, em vez disso sou eu quem precisa de ajuda. Nunca tive direito a qualquer subsídio, nem de desemprego, pois como bolseira não tenho direito a nada disso. Nos anteriores trabalhos nunca tive acesso a um contracto superior a 6 meses, pelo que apesar de já ter descontado para a segurança social, nunca tive direito a subsídio de desemprego. (cont.)
Procuro activamente trabalho, vou fazendo pequenos trabalhos mal pagos para me manter (dobrar circulares, etc). Tentei arranjar trabalho em lojas (não é um sonho, mas até as coisas se ‘endireitarem’) mas não consegui porque, apesar de ter alguma experiência, tenho ‘demasiadas qualificações’ e sou olhada com alguma reserva pelas gerentes e funcionárias. Nem para trabalhar nas limpezas me querem, mesmo sabendo eu limpar e passar a ferro (coisas que sempre fiz em casa desde os meus 13 anos). (cont.) Entretanto fiz alguns pequenos cursos de formação profissional para adquirir novas competências. Fazer outra licenciatura está fora de questão porque não há dinheiro e, com esta idade eu preciso é de trabalhar para poder construir a minha vida! Não tenho carro (é uma despesa fixa que não posso pagar). Não posso casar. Não posso pedir um empréstimo. Até tenho ideias de negócio mas não me concedem empréstimo: não tenho bens nem fiador. Não posso ainda ser mãe. (cont.)
(cont.) Além de tudo isto e a contribuír para a minha revolta, sempre que vou a qualquer repartição pública vejo: pessoas (efectivas) que não trabalham bem, nem se esforçam por melhorar, atendem mal as pessoas e têm limitações a vários níveis. Não falam línguas, não percebem quase nada de informática, não se actualizam e, muitas vezes, nem percebem muito do que estão a fazer. Ora, posto isto… não quero ouvir comentários do género: ‘eles que se façam mas é à vida’… que ‘só por serem licenciados querem grandes empregos’, que ‘estes jovens não trabalham e só querem viver à custa dos pais’! Por mais que existam alguns jovens assim são, de facto, uma pequena minoria e tal argumento não deveria servir para ANIQUILAR UMA GERAÇÃO INTEIRA! (cont.) Falam de pessoas que se fizeram uma licenciatura, se esforçaram de alguma maneira para ter uma vida condigna …uma VIDA À QUAL TÊM DIREITO… pessoas que se têm esforçado até então e nunca tiveram direito a nada! Não estamos a falar de pessoas que nunca quiseram fazer nada na vida, nem que se encostam a subsídios de insersão social ou de desemprego, que nunca se quiseram esforçar porque ‘estão bem como estão’. (cont.) Toda a minha vida me esforcei (e vi a minha família esforçar-se), toda a minha vida trabalhei para poder vir a ter algo mais que ‘uma vida em casa da mãe’… em todos os trabalhos que fiz, fi-los o melhor possível, mesmo não gostando do que estava a fazer. Sou supostamente inteligente (com um QI de 151, querendo isto dizer o que quer que seja…) mas pelos vistos não sou é ESPERTA! Porque apesar de todo o esforço, nunca tive direito a nada! E ainda penso em ir trabalhar para fora. Mas até para isso tenho que primeiro arranjar um trabalho qualquer por cá para poupar algum dinheiro, para não ir sem nada – porque NADA é o que eu tenho! (cont.)
Que país é este onde além de não haver um único governante confiável … ainda tenho de ver e ouvir comentários estúpidos de pessoas que vêm a realidade de uma forma deturpada, ora através de lindos óculos cor de rosa: ‘jovens façam mas é outra licenciatura, e outra, e mais outra…pode ser que acertem’; ora de alguém que certamente ocupa um cargo quentinho qualquer: ‘não tenho nenhuma formação em particular, terminei o meu 10º ano, arranjei um taxo e aqui fiquei…nem tive de me preocupar … e daqui vocês não me podem tirar…não é que eu seja muito bom profissional mas… tenho os meus direitos laborais de EFECTIVO’… enfim… Em suma, que país (e que gente) de merd*! … e não peço desculpa pela ‘indelicadeza’! Eu tenho direito a construír uma vida, tenho direito a ter um emprego condigno que me permita fazer planos a um prazo mais longo do que os 3 meses de um contracto num call center qualquer… tenho direito a poder ter a minha casa … tenho direito a poder ser mãe… tenho direito a poder VIVER! E são estes os direitos FUNDAMENTAIS que estão a negar a uma geração inteira! Já não posso mais. É TEMPO DE AGIR!
Dá uma certa «piada» ir às caixas de comentários de jornais e afins, ler o que algumas pessoas frustradas, por nunca terem tido a possibilidade ou ambição de estudar mais, vão lá depositar. Para essas mesmas pessoas frustradas, os licenciados são uma espécie de «juventude» que nada quer fazer, e deseja salários «milionários»; e depois temos os outros comentadores: aqueles que colocam as engenharias / gestão / informática no topo, sendo que tudo o resto é porcaria. Por que razão, é que um jovem que escolha Sociologia / Antropologia / Artes / Letras tem de ser estigmatizado pelas suas escolhas? Seremos, nós, obrigados a gostar tudo do mesmo e em perseguir a ideia já «vintage», um pouco pelo mundo todo, de que o caminho para o sucesso é ser: médico, engenheiro, ou advogado? Cada um segue aquilo que gosta. E todas as pessoas, sejam licenciadas ou não, têm direito a um emprego decente. É óbvio que não podemos ter uma juventude licenciada, mais culta e crítica, portanto, e, ao mesmo tempo, querer que esses mesmos jovens instruídos, aceitem a realidade existente de ânimo leve. É um paradoxo.
É querer que as pessoas sejam obtusas, quando já não o podem ser. Elas já conseguiram desenvolver o seu lado cognitivo e pensam por si, não podem mais ser uns «paus mandados». E grande parte dos comentadores parece esquecer-se da formatação existente no ensino secundário que, ao contrário do que muitos pensam, em vez de ajudar os jovens, prejudica-os, pois estrangula, desde logo, as possíveis saídas quando se chega ao nível universitário. Não é por se ser licenciado em ciências sociais que se é obrigado a aceitar qualquer porcaria. Call-Center não é emprego nem opção de «futuro» para ninguém. É o ex-líbris da estupidificação do Homem. Quais são as opções de emprego existentes para grande parte dos jovens hoje em dia: call-centers; hipers; e lojas. Isto não é futuro para ninguém. Sobretudo quando se ganha salários tão baixos. Não podem querer uma população culta que aceite esta realidade de ânimo leve. É um paradoxo, como disse.
Criem uma hastag para o Twitter de modo a promover a manif.
De facto vivemos uma situação dramática, e como foi referido “É tempo de agir!”. Assim convidamos a todos os que estão a viver situações de desespero e frustação a aparecerem na próxima reunião do PI, dia 27 de Fevereiro na LX Factory pelas 20h, e terem em atenção às duas próximas grandes iniciativas de rua no combate à precariedade: a manifestação dia 12 de Março e o MayDay.