Opinião: Pode-se negociar com os bárbaros?
Exercício de imaginação: Vivemos numa ilhota acima da Escócia. Pode ser Fair ou as Shetland. Estamos no séc. VIII d.C.. Um dia enquanto trabalhamos na nossa quinta vemos um barco esquisito a aproximar-se. Estamos na nossa vidinha tranquila e saem do barco dezenas de homens de machados e espadas em riste. Não falam a mesma língua que nós, mas há um que traduz. Perguntamos o que querem. Eles respondem: “tudo”.
A história da invasão das ilhas britânicas pelos vikings começou com uma sucessão de concessões dos povos invadidos aos invasores. Cada ataque correspondia a uma vaga de mortes e pilhagem e ao pagamento de resgates para que os vikings se fossem embora. Na temporada seguinte, depois do frio inverno passado na Escandinávia, os vikings voltavam para o saque. A cada saque, um novo resgate, a cada temporada um novo saque. Na próxima 2º feira os vikings voltam a Portugal.
Da primeira vez que a troika chegou a Portugal, convidada pelos governos actual e anterior, falavam em outra língua, alguém traduzia e parecia que fazia sentido o que diziam. Não disseram que queriam tudo porque são mais diplomatas que os vikings do séc. VIII. Para os vikings as incursões em outros territórios como a Rússia ou a actual Grã-Bretanha eram saques declarados, não o escondiam a ninguém e era, como o é para as organizações da troika, banca e finança, a sua principal forma de sustento e de vida.
As ferramentas dos vikings eram a sua força e destreza em combate, assim como a ingenuidade dos povos abordados e a cobardia das suas elites. Hoje a troika utiliza não apenas da cobardia senão da aberta cumplicidade das elites dos países intervencionados, mas também uma grande máquina propagandística, mediática e institucional. E assim vem, vaga após vaga, caindo sobre as costas dos vários povos da Europa, que sofrem saque após saque, resgate após resgate.
A luta contra cada um dos cortes, cada uma das políticas, cada uma das iniciativas da troika, é a única resposta para esta incursão bárbara. A “negociação”, além de ser uma farsa, é tão inútil como eram as negociações que a nobreza e a monarquia saxã tentava com os vikings. É que, tal como ocorria com os vikings, não está na natureza da troika negociar. Isso não é sequer criticável ou moralizável. A troika, como os vikings, tem apenas o seu interesse e o daqueles a que serve como guia de acção. A troika não tem nem nunca teve qualquer carácter democrático ou racional à luz do que a maioria das populações entende como racional. A troika não negoceia, não por má-fé, mas porque simplesmente não entende porque o deveria fazer, se está tudo a correr exactamente como devia e se a austeridade está a produzir exactamente os mesmos resultados que produziu em todas as suas aplicações ao longo das últimas décadas.
A única coisa que a troika, tal como os vikings no seu tempo, entende, é a força. Não se pode negociar com bárbaros. E apesar de podermos e devermos apontar os bárbaros da troika como causa dos nossos problemas, não podemos também deixar de perceber que é a nossa ingenuidade, a nossa submissão e aceitação do saque que lhes permite continuar a destruir as nossas vidas. A nossa força é aquilo que a troika precisa ver. É a única coisa que a pode parar.
João Camargo
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