Opinião :: Trabalho temporário é trabalho precário: uma resposta a Mário Costa (Presidente do Grupo Seléct/Tempo Team)

Depois de Helena André, Ministra do Trabalho, em entrevista recente ao Diário de Notícias, ter referido que não sabe “se um emprego temporário é precário, porque é protegido em termos de direitos”, veio agora um dos maiores interessados no negócio milionário das empresas de trabalho temporário (ETT’s), Mário Costa  – Presidente do Grupo Seléct/Tempo Team –  em sintonia com a ministra, propagar e aprofundar a mesma linha de argumentação.

Mário Costa tenta separar os trabalhadores temporários dos recibos verdes e dos contratados a termo, sublinhando que esses sim correspondem a situações de precariedade que deviam ser eliminadas. Afirma que os trabalhadores temporários gozam, pela obrigatoriedade da lei, da mesma protecção que os trabalhadores das empresas utilizadoras (aquelas que recorrem aos serviços das ETT’s). Diz ainda que as ETT’s representam um volume de trabalho muito reduzido e de crescimento muito limitado, até porque a lei impõe limites temporais à subcontratação, motivo pelo qual nunca poderão vir a representar um problema.

Mas analisemos agora a realidade dos factos. Todos os trabalhadores temporários são também trabalhadores a termo (certo/incerto). Se Mário Costa reconhece a precariedade dos trabalhadores a termo, terá também de reconhecer a precariedade destes. A maior parte dos trabalhadores temporários têm vínculos de trabalho muito curtos e a legislação relativa ao trabalho temporário não define limites ao número de renovações de contrato, impondo-se assim um elevadíssimo carácter descartável que se traduz na precarização de milhares de vidas. Por outro lado, os trabalhadores temporários auferem salários muito inferiores aos trabalhadores afectos aos empregadores/“utilizadores”, pois uma parte considerável do seu salário é capturada pelas ETT’s. Estes salários são tantas vezes tão baixos que permitem que a substituição de trabalhadores directamente contratados por subcontratados, via ETT’s, se traduza numa redução real de custos.

Perante uma relação triangular – entre “utilizador”, ETT e trabalhador – , que implica a existência de dois contratos (o primeiro entre utilizador e ETT e o segundo entre ETT e trabalhador), a legislação impõe um limite temporal cumulativo à contratação e renovação de contratos entre utilizador e empregador. No entanto, como nada refere neste sentido relativamente à relação entre trabalhador e utilizador, os utilizadores conseguem manter o mesmo conjunto de trabalhadores a executar a mesma tarefa durante períodos infinitos através de uma simples rotação entre ETT’s, que alternadamente roubam parte do salário deste conjunto de PRECÁRIOS. Assim, apesar do esforço de Mário Costa, que diz que existem actualmente apenas 75 mil trabalhadores temporários, menos 25 mil do que o presidente da APESPE  anunciou relativamente ao ano passado, todos sabemos que o negócio das ETT’s está em claro crescimento, inclusive no interior dos serviços públicos. E sabemos também da clara intenção, de muitos patrões mas também governantes, de substituir os actuais recibos verdes por subcontratados mediados por ETT’s.

Apesar da selva que a própria lei relativa ao trabalho temporário já permite, sabemos ainda da situação de ilegalidade em que muitas destas ETT’s e utilizadores se movem.

Entre muitos outros exemplos, a violação do artigo 175º do Código do Trabalho, que determina a admissibilidade de contrato de utilização de trabalho temporário, é muito frequente – nomeadamente no ponto 5, que impede a substituição de cargos que tenham sido ocupados por trabalhadores cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento.

Não aceitamos a precariedade imposta pelas ETT’s nem a sua legitimação do ponto de vista legal. O Código do Trabalho, como dissemos desde a primeira hora, constitui a legalização de várias precariedades. Cá estamos, como costume, para a denúncia, o combate e a criação de propostas alternativas às inevitabilidades da precariedade.

Ricardo Vicente
(ex-trabalhador da Seléct)

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