Opinião: Utopia – ou, a Relva é sempre mais verde do outro lado.

Recentemente foi anunciado que o Inimigo Público, segmento de humor e crítica social do jornal Público, poderá vir a ser retirado desse jornal como medida de redução de custos.
Decidimos hoje homenagear a forma de arte que é o humor e a sátira, dando a volta às palavras de Miguel Relvas, uma arte que ele domina bem por si próprio. As citações são retiradas daqui.
Miguel Relvas, o ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares que nos habituámos a odiar, decidiu hoje olhar para quem mais sofre com a crise no nosso país, proclamando que, ao contrário do que todos pensávamos: «temos consciência dos custos elevados para as famílias e da coragem com que os desempregados estão a suportar estes tempos difíceis».
Relvas apela assim à luta do povo português contra a austeridade e à participação massiva na próxima Greve Geral de dia 14 de Novembro: «Fraquejar agora queria dizer que, na melhor das hipóteses, as instituições internacionais ficariam durante anos em Portugal. No pior cenário, adiávamos a cura da doença que arrastamos há demasiado tempo: a do atraso crónico, da inércia e da pobreza».

Isto porque ainda «faltam 20 meses para acabar o programa de ajustamento» que nos foi imposto por um governo de gestão. «Portugal precisa de terminar a tarefa que iniciou», diz o ministro, nas manifestações que têm vindo a acontecer por todo o país neste último ano, acrescentamos nós. Não podemos baixar os braços agora pois este Orçamento não Passará (manifestação no dia 31 de Outubro) e a Greve Geral parará o país. «No final, teremos recuperado a nossa soberania financeira, teremos um Estado eficiente, teremos um país mais forte e uma sociedade mais saudável», garante-nos o próprio Miguel Relvas.
Assiste-se a uma «crescente crispação em Portugal», mas disso dependerá «a sobrevivência do Estado social». «Portugal nunca desiste facilmente», acrescenta Relvas, e apelando à «esperança e coragem» e à «ambição reformista» o nosso ministro mais querido pede-nos a todos para não desistirmos e para perseverarmos na nossa luta contra a fome, a miséria, o desemprego, a precariedade e tantos outros flagelos criados ao abrigo de uma dívida e de uma crise que não foi criada por nós, e cujos verdadeiros contornos e culpados continuam por definir e julgar.

Relvas pronunciou de facto estas palavras (aqui) mas nenhuma delas neste contexto, como será óbvio para todos. Na verdade ele diz-nos que daqui a 20 meses o programa de ajustamento terá terminado e viveremos todos num mundo melhor. Basta consultar outras fontes, como esta em que se fazem as contas às previsões de Governo, Troika e FMI e se chega à conclusão que mesmo nem em 2017 o PIB português terá recuperado para o nível de 2007, para percebermos que não somos os únicos que brincamos com as palavras. Agradecemos no entanto ao Sr. Relvas por nos dar esta margem para sonhar com um tempo em que palavras como estas serão realmente pronunciadas em defesa da verdade, das nossas vidas e da nossa dignidade. Até lá, estaremos na rua.
Rita Peixeiro
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