Os deslizes e as convições de Helena André

A ministra do Trabalho e da Solidariedade Social, Helena André, concedeu uma grande entrevista ao Diário de Notícias, publicada no passado sábado. Apesar de extensa, merece uma leitura (disponível aqui, aqui, aqui e aqui). Falou longamente da crise, tentou justificar os cortes nos apoios sociais, vendeu à exaustão o tal “Pacto para o Emprego” que promete para breve, alarmou-nos com a “penalização” para todo o país que representaria um novo Governo do PSD, esclareceu como o seu passado de sindicalista sempre a fez ver as coisas “de diferentes perspectivas” (seja lá o que isso for). E, claro, todo o destaque para o grande deslize desta entrevista: afinal, percebemos mal o anúncio de congelamento dos salários da Função Pública para 2011, apenas acompanhando a inflacção prevista depois de anos de garrote. A matéria é da competência do ministro das Finanças e, pelos vistos, Teixeira dos Santos e Sócrates obrigaram a senhora ministra a recuar nas suas declarações. Ou seja, o PEC é para rever (ainda mais) em baixa e a austeridade vai subir de tom.
Mas nem só de deslizes se fez esta entrevista. A nós não nos escapou uma das convicções da senhora ministra, expressa de forma inequívoca: “Não sei se um emprego temporário é precário, porque é protegido em termos de direitos“.

É, apesar de tudo, inédita esta formulação que quer virar tudo ao contrário. É preciso pôr os pontos nos ii. Os “empregos temporários” são precários, senhora ministra. E sabe-o bem. São precários, apesar de serem legais. Eles são legais porque a precariedade vem sendo legalizada, em sucessivos Códigos do Trabalho e outras que tais. A precariedade é, senhora ministra, uma condição de vida e não um estatuto legal. Quem trabalha para uma empresa de trabalho temporário (ETT), tem o “direito” a ser totalmente descartável, bem como a ser-lhe roubado metade do seu salário todos os meses. Assim é a precariedade.
A senhora ministra conhece bem o uso e abuso do recurso ao trabalho temporário no Estado. É indisfarçável. E pelos vistos é para continuar. “Tudo o que está dentro da legalidade são instrumentos a que todos os parceiros têm que ter a possibilidade de poder recorrer“: é desta forma lacónica que a ministra justifica milhares de vidas suspensas na própria Administração Pública.
Já sabemos que o negócio das ETT é gordo e não pára de crescer. E sabemos também que tem a bênção deste e dos anteriores governos – mesmo que, vejam bem, o senhor Provedor das ETTs já não possa ser o porta-voz do partido do Governo… Continuaremos a lutar contra o polvo das ETTs e a denunciar a sobre-exploração que impõe a centenas de milhar de trabalhadores e trabalhadoras. E, sobretudo, não admitimos que ainda nos digam que é normal só porque está na lei.
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