Os donos da dívida – José Maria Castro Caldas | IAC
Via Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida
«Não sabemos em detalhe quem detém os títulos da dívida pública portuguesa. No entanto, as estatísticas europeias dão-nos indicações da identidade dos credores por grandes agregados: empresas não-financeiras residentes (empresas sediadas em Portugal), empresas financeiras residentes (bancos, companhias de seguros e fundos financeiros sedeados em Portugal) e resto do mundo.
Infelizmente «resto mundo» é demasiado vago. No entanto, a partir de dados disponíveis na página do Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP) podemos discriminar a dívida ao Fundo Monetário Internacional (FMI), Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEEF) e Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF). Se tirarmos do «resto do mundo» as parcelas respeitantes ao FMI, MEEF e FEEF ficamos com um agregado «outros não residentes» que inclui empresas financeiras, não financeiras e famílias estrangeiras.
O gráfico seguinte representa a evolução destas parcelas entre 2002 e 2011 (últimos dados disponíveis).
Podemos constatar nesse gráfico que, de 2002 a 2008, o peso entre os credores do Estado português das empresas, bancos e fundos de investimento estrangeiros foi sempre superior a 50% e se foi acentuando, chegando aos 75%. A partir deste ano – o ano da grande crise financeira – os investidores estrangeiros foram abrindo mão dos títulos portugueses. Em final de 2011 já detinham menos de 50%.
O peso entre os credores do Estado português dos particulares residentes (famílias portuguesas) que era relativamente elevado em 2002 (25%) foi também diminuindo ao longo do período, situando-se em 5% em 2011.
Em contrapartida, aumentou o peso dos bancos, companhias de seguros e fundos de investimento portugueses e, em 2011, surgiram os fundos europeus e o FMI como grandes credores de Portugal.
Em 2011, o FMI e os fundos europeus detinham 19% da dívida e prevê-se que venham a deter 34% em 2012 e mais de 50% em 2014. Em 2012 cerca de 70% da dívida pública portuguesa será detida pelo FMI, os fundos europeus e o sector financeiro português e em 2014 esta percentagem poderá chegar aos 80%.
Significa isto que ao longo da intervenção da troika os credores privados internacionais terão passado de uma situação, em 2008, em que detinham 75% da dívida portuguesa, para uma outra, em 2014, em que deterão apenas 20%. De 2008 a 2014 os credores privados internacionais ter-se-ão livrado dos títulos de dívida pública portuguesa.
Para isso mesmo pode ter servido a intervenção da troika: para limpar os balanços das instituições financeiras estrangeiras (sobretudo europeias) de títulos da dívida portuguesa tornados demasiado arriscados. Para onde transitou o risco? Para os fundos europeus e o FMI, isto é, para os cidadãos dos países da eurozona que estão a garantir as emissões de títulos destes fundos destinadas aos empréstimos a Portugal.
Na realidade o “resgate” a Portugal, que nós estamos a pagar da forma que se sabe, é o resgate de bancos europeus que emprestaram acima das suas possibilidades.
JOSÉ MARIA CASTRO CALDAS»
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