Os donos disto tudo | Opinião João Camargo P3

O DDT – Dono Disto Tudo, nome de guerra de Ricardo Salgado — viu fugir-lhe o tapete debaixo dos pés ao não conciliar as vontades dentro da sua família e dos principais accionistas do Grupo Espírito Santo. Quebrou-se o silêncio dourado dos negócios de sempre. O sacrifício d’ “O” banqueiro faz-se para que nada se tenha de alterar e para que, uma vez mais, pareça que os problemas da banca e da finança são iniciativas individuais e não práticas sistemáticas.

O ódio familiar entre o DDT, Pedro Queiroz Pereira e José Maria Ricciardi fez com que as contas saíssem furadas e acabassem por aparecer documentos que revelavam que não só o BES era um buraco como o BPN, como que o império Espírito Santo estava vazio e descapitalizado, embora fosse um polvo, com tentáculos por toda a economia nacional. Não era à toa que há uns anos Salgado dizia que para se acabarem as “offshores” e os segredos bancários, teria de haver uma enorme amnistia. Sabia do que falava.

Salgado não está sozinho na propriedade “disto tudo”. Em Portugal os 1% mais ricos possuem entre 44 e 45% de toda a riqueza. Vivem da precarização da sociedade e da austeridade que lhes permite ficarem cada vez mais ricos. Não possuem apenas a riqueza monetária, mas o poder político. Foi um desfile de banqueiros na TV portuguesa que ultimou o pedido de resgate da troika, nos idos: Ulrich a 31 de Março de 2011 (5ª feira), Santos Ferreira a 4 de Abril (2ª) e Salgado, o Dono Disto Tudo, a 5 de Abril (3ª) apareceram no prime-time para dizer que era “urgente pedir apoio”. A 6 de Abril, 4ª feira, José Sócrates acatou as ordens e pediu o resgate da troika. Demorou pouco tempo para, a 13 de Outubro de 2011, o DDT ser visto a entrar no Conselho de Ministros. No fim da reunião, Passos anunciou a primeira vaga de austeridade: cortes dos subsídios de natal e férias de funcionários públicos e pensionistas, fim de feriados, aumento no IVA e mais meia hora de trabalho para o sector privado. Mas para a banca portuguesa vacas gordas: recebeu na altura garantias de 60,5 mil milhões de euros.

Mas falta agora saber quem vai pagar o buraco do BES. Mesmo que o antigo Dono Disto Tudo vá parar à prisão, as suas contas e as da família estão seguras em sedes estrangeiras, e a factura do colapso de um banco sistémico como o BES ficará a descoberto. Já se sabe pelo exemplo de Oliveira e Costa que a prisão é uma porta giratória para quem tem os advogados certos e a Comissão Europeia já informou que não utilizará os mecanismos de apoio para tratar deste risco sistémico. É de desconfiar que seja aos desempregados, aos trabalhadores e precários, aos estudantes e aos pensionistas que o Governo vá buscar, mais uma vez, o resgate da banca. Lá vamos nós uma vez mais viver acima das nossas possibilidades, num sistema laboral rígido com direitos adquiridos e zonas de conforto. Salgado bem dizia que era preciso flexibilizar. Salgado bem nos avisou que os portugueses não queriam trabalhar e que preferiam “viver à sombra do subsídio do desemprego”.

Agora toca a trabalhar para pagar a salgada factura e manter o dinamismo da iniciativa financeira privada porque, como o DDT disse, “O Estado é um desastre a gerir bancos”. O problema mais grave, e esse é nosso e não dos donos disto tudo, é que os bancos são um desastre a gerir o Estado.

João Camargo

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