Plano de Emergência | Contra a eternização da precariedade na Investigação
O Plano de Emergência de Combate à Precariedade e ao Desemprego apresenta um ponto específico acerca da Investigação e das Bolsas de Investigação. Sobre este eixo propomos, entre outros, a conversão das bolsas de investigação, de gestão e de técnico em contratos laborais, a vinculação dos bolseiros às instituições de investigação, o aumento do número de bolsas atribuídas, actualização imediata do valor das bolsas e extinção da cláusula de exclusividade dos contratos de bolsa e pagamento obrigatório sempre que os bolseiros derem aulas. Lê mais aqui e descobre porquê. Participa neste debate com as tuas críticas e propostas.
Em 2014, um inquérito feito pela ACP-PI a investigadores revelou a alarmante realidade do tecido científico em Portugal: a grande maioria dos investigadores são eternos bolseiros, dificilmente têm acesso a um contrato de trabalho e perante a sua condição precária, pretendem emigrar. 77,8% dos investigadores nunca tiveram um contrato de trabalho, apenas 15,7% têm um vínculo laboral e apenas 21,5% dos bolseiros rejeitam emigrar.
O facto da larga maioria da investigação ser assegurada por bolseiros é uma estratégia de precarização de todo o sector. A não existência de um vínculo laboral implica que estas pessoas não são consideradas trabalhadoras e que, como tal, não têm direito a subsídio de desemprego, férias ou 13º mês, e a protecção social através da segurança social a que têm direito é extremamente limitada.
Esta fragilidade tem sido levada a ponto de ruptura nos últimos anos pelas opções de governação do executivo de Passos Coelho. Nos concursos individuais de bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento, houve um corte extraordinário no número de bolsas atribuídas (2031 bolsas de doutoramento e 914 bolsas de pós doutoramento no concurso de 2007 passaram a passaram a 403 e 465, respectivamente, no último concurso – às quais se somam 15 bolsas individuais de doutoramento em empresas e 600 bolsas para programas doutorais), a par de um aumento do número de pessoas que se candidatam. Os concursos de investigador FCT, que assegurariam uma fase mais adiantada da carreira de investigação e que, supostamente, garantiriam a colocação em centros ou unidades de investigação e universidades, são abertos com a promessa de contratar 1000 investigadores até 2016, como se esse número fosse suficiente. Por exemplo, no concurso de 2013, candidataram-se 1489 pessoas e apenas 204 foram aceites. Por último, a avaliação dos centros de investigação, ao qual todos os bolseiros estão ligados, condenou à extinção imediata ou a curto prazo 168 dos 322 centros que foram avaliados. Todos estes concursos ou processos de avaliação têm sido envoltos em enormes polémicas, muitas dúvidas foram justamente levantadas acerca dos processos de avaliação, e os concursos surgem invariavelmente com atrasos na abertura, divulgação dos resultados e atribuição das bolsas por parte da FCT. Para terminar, assistimos cada vez mais à descarada utilização abusiva de bolsas para suprir postos de trabalho, a maioria dos quais sem qualquer ligação à investigação; anúncios de bolsas para jardineiros ou electricistas já não são uma raridade.
As medidas urgentes que propomos para inverter o processo de precariedade laboral que os investigadores estão a viver são:
1) Conversão das bolsas de investigação, de gestão, de técnico e Investigador FCT em contratos laborais. No caso das bolsas de doutoramento, se o primeiro ano de um projecto de doutoramento é de aprofundamento dos estudos e de preparação para os seguintes anos de desenvolvimento de uma temática, a partir daí um bolseiro de investigação começa a produzir conhecimento científico e por isso consideramos que, findo o período académico, um bolseiro de doutoramento deveria ter direito a um contrato de trabalho.
2) Ratificação da Carta Europeia do Investigador. A 11 de Março de 2005 foi homologada a Carta Europeia do Investigador, que estabelece um Código de Conduta para o Recrutamento de Investigadores no espaço da União Europeia, reconhecendo que o trabalho do Investigador começa logo a seguir à sua graduação e estende-se a todos os outros níveis superiores. Para além do contrato de trabalho, a Carta Europeia do Investigador estabelece ainda que é dever das entidades empregadoras e/ou financiadoras garantir ao Investigador condições de financiamento e/ou de salários com regalias de Segurança Social, onde o direito ao subsídio de desemprego e a colocação no escalão correcto são asseguradas.
3) Vinculação dos bolseiros às instituições de investigação. A precarização do trabalho de investigação por via de bolsas tem o efeito natural de desvincular os investigadores das instituições de investigação. Ao contrário dos investigadores contratados, a grande maioria dos bolseiros não se encontra enquadrada nas instituições onde trabalha, o que os impede, por exemplo, de eleger e ser eleito para os órgãos de gestão e aceder aos serviços das universidades e dos institutos.
4) Enquanto não se estabelecem os contratos de trabalho e para as situações em que se possa justificar a atribuição de bolsa, criação de um mecanismo de reposição imediata pela FCT da mensalidade paga pelo bolseiro relativamente ao Seguro Social Voluntário, e actualização do reembolso segundo uma base de incidência efectivamente correspondente ao valor recebido pelos bolseiros. Actualmente, o reembolso pago pela FCT para assegurar o pagamento do Seguro Social Voluntário (SSV) corresponde a uma base de incidência de apenas um IAS (Indexante dos Apoios Sociais), ou seja, o valor descontado pelos bolseiros não corresponde ao seu salário real, mas a um valor muito inferior. Além disso, a FCT está a promover um distanciamento dos bolseiros à Segurança Social pelos atrasos que acumula nos reembolsos do SSV. Hoje em dia, o valor da prestação mensal são 124.09€, 12.7% do salário de um investigador de doutoramento, que a Fundação só reembolsa ao fim de vários meses, ou seja, quando várias mensalidades se acumulam, criando um grave peso no orçamento dos investigadores.
5) Fim dos efeitos retroativos nas alterações no estatuto do bolseiro ou no regulamento das bolsas, se prejudicarem os bolseiros.
6) Aumento estruturado e planeado do número de bolsas atribuídas e de contratos investigador FCT celebrados, de forma a que todos os investigadores tenham acesso a um concurso justo e não uma roleta russa flutuando ao ritmo dos ciclos eleitorais.
7) Cumprimento de uma calendarização de abertura de concursos de bolsas académicas (doutoramento) que coincida com o ano lectivo. Calendarização dos restantes concursos estabelecida anualmente na mesma data, e anunciada atempadamente.
8) Limitação do prazo entre os bolseiros assinarem o contrato e começarem efectivamente a receber a bolsa para um mês. Actualmente, os bolseiros assinam um contrato de exclusividade, mas o processo de atribuição da bolsa pode-se arrastar por meses, durante os quais os bolseiros não podem ter qualquer rendimento.
9) Actualização imediata do valor das bolsas, o que não é feito desde 2002, significando isso que entretanto os bolseiros perderam 21.7% de salário devido ao aumento da inflação e do índice de preço ao consumidor.
10) Extinção da cláusula de exclusividade nos contratos de bolsa e pagamento obrigatório sempre que houver oferta curricular assegurada por bolseiros.
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