Pobreza e Precariedade em Portugal | Opinião Izaura Solipa

desempregoO debate em torno dos efeitos da precariedade nas condições de vida de quem trabalha é constantemente fomentado pela lógica economicista, ao negar tanto a sua gravidade quanto a sua substância. Para algumas correntes da economia ortodoxa, a segmentação (1) (em economês, o título que substitui o termo precariedade, menosprezando a sua existência e limitando-a a uma condição irrisória, resíduo dum modelo matemático) é de facto considerada um problema central do mercado de trabalho. O problema prende-se, no entanto, não com a inexistência de salários adequados, subsídios e dignidade que se verifica no segmento de emprego inferior, mas com a própria existência de uma diferenciação, advinda de uma excessiva regulação. A título exemplificativo, Alesina e Giavazzi – dois aclamados economistas de duas das universidades que mais engendram as grandes influências económicas do plano atual, Harvard e Bocconi – defendem (2) que a segmentação se resolveria com um (ainda) maior relaxamento do mercado, estendendo os contratos a termo para todos os setores da economia.

É tautológico e desse modo inegável: a segmentação é reduzida quando se convergem as condições de trabalho dos vários segmentos num único, através de um só molde de contrato. Mas enquanto a segmentação remete para o fenómeno da degradação do mercado de trabalho, através da existência de empregos inferiores por comparação, com menores remunerações e condições de trabalho, a precariedade aborda toda e qualquer situação profissional que seja instável, de reduzida proteção social ou mesmo legalidade, involuntária na sua substância e fortemente impeditiva da inclusão social. A ideia de que estes conceitos são substituíveis entre si faz com que esta economia falhe: ao tornar toda a qualidade de emprego inferiormente homogénea, a segmentação deixa de existir; a precariedade, por outro lado, irá ser expandida a todos os setores da economia abrangidos por estes contratos únicos, perpetuando a obstrução da criação de laços e planos de vida a quem integre o mercado de trabalho, formal ou informal.

É então negando esta visão conservadora e maioritária da economia, assim como partindo de uma perspetiva económica pluridisciplinar, que reconhece a existência e os processos fundamentais que estruturam a vida coletiva, que surge a dissertação “Pobreza e Precariedade em Portugal – Uma abordagem multidimensional” (3). O objetivo principal consiste em estudar o impacto na probabilidade de se cair abaixo do limiar de pobreza, por se ser ter um emprego precário, focado na sociedade Portuguesa entre os anos 2008 e 2014.

A precariedade é medida através da existência de contratos a termo e temporários, na sua grande maioria intermediados e fortemente caracterizados pela sua instabilidade, falta de proteção social e baixa remuneração, bem como pela associação aos setores da economia onde a precariedade é predominante. A pobreza (4), por sua vez, é medida para além do fenómeno monetário, englobando as condições materiais de vida, o nível de educação, a saúde e a capacidade de fazer face aos respetivos problemas que possam surgir, bem como a qualidade de habitação – a também chamada pobreza multidimensional. Ao incluir mais indicadores do que apenas o rendimento disponível, a tarefa de comparar os ganhos de quem emprega com as perdas de quem trabalha, de modo a tentar encontrar um equilíbrio na economia e concluir se a sociedade fica melhor, dificulta-se: como se medem agora forças entre os excedentes monetários das empresas e o bem-estar dos indivíduos, quando este, por todos os meios válidos estudados pela economia, é definido muito para além dela?

Os resultados da investigação sugerem o óbvio, mas tantas vezes negado; se não só relacionada com baixas remunerações e consequentemente maior pobreza monetária, a precariedade aumenta a probabilidade de se ser pobre nas várias esferas da vida humana, disseminando condições de vida inferiores que culminam na exclusão social. As decisões políticas deverão focar-se em melhorar as condições gerais do emprego, em vez de apenas aumentarem a quantidade de emprego disponível, indiscriminadamente.

Para 2017 está prevista a integração dos precários da função pública e do setor empresarial do Estado. Um importante reconhecimento da problemática, sem dúvida, mas que fica muito aquém das conclusões a retirar desta investigação: é necessária a extinção de todas as formas de precariedade como forma de reduzir eficazmente a pobreza multidimensional.

Notas:

1 – Diferenciação de vários tipos de emprego de acordo com a sua qualidade
2 – Alesina, A., Giavazzi, F. 2006. “The Future of Europe: Reform or Decline” MIT Press
3 – Traduzido do original: “Poverty and Precarity in Portugal – A multidimensional approach”
4 – Um agregado é considerado pobre, quando o global das suas condições de vida e oportunidades se afigura significativamente inferior à média dos seus pares.

Izaura Solipa – Economista

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