Portugal é o país da União Europeia que menos contrata doutorados
No seu suplemento de Emprego, a edição do Expresso do último sábado continha uma peça sobre «Produzir Ciência em Portugal», cuja análise sobre as atuais condições de trabalho dos/as investigadores/as se baseou no relatório do inquérito realizado pelo grupo de Bolseiros dos Precários Inflexíveis. E assim, numa das suas caixas de destaque surgia o número mais evidente sobre o estado da precarização deste sector em Portugal: «77,8% dos investigadores nunca tiveram um contrato de trabalho».
Além disto, a reportagem do Expresso também indica que «internacionalizar não é emigrar» e destaca a relação entre a conjuntura económica e laboral do país e a saída forçada de investigadores/as para o estrangeiro.
Na peça do Expresso, o contraponto às respostas da Secretária de Estado da Ciência, Leonor Parreira, que insiste que a solução está em colocar doutorados a trabalhar nas empresas (e a investigação científica fundamental quem a faz?), é feito pelas respostas de Sofia Roque, membro do Grupo de Bolseiros do PI.
O contexto atual é comprovado por Sofia Roque, membro do grupo de bolseiros da Precários Inflexíveis, bolseira de doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e investigadora do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Para a investigadora, “o cenário da investigação científica em Portugal é muito angustiante porque o sentimento de não-futuro vem da perceção, sentida diretamente por muitos de nós, dos cortes nos apoios (bolsas de doutoramento e pós-doutoramento) e na contratação de investigadores, mas também da constatação de que está em marcha um plano de destruição do edifício científico português que já se sustentava numa grande fragilidade: a precariedade laboral”. Para Sofia Roque, “o país desistiu de apostar na ciência e na produção de conhecimento como fator de desenvolvimento económico e cultural. É o regresso ao Portugal dos pequeninos”.
A reportagem do Expresso também pode ser lida aqui.
O jornal avança com mais alguns números que destacamos aqui:
Segundo o Expresso, Portugal é o país da União Europeia que mais cresceu em número de doutorados ao longo das últimas duas décadas. Mas, mostram as estatísticas que é também dos que menos contrata doutorados. Como consequência, o país regista uma crescente dificuldade em fixar investigadores.
Assim, entre dezembro de 2011 e março deste ano, o número de doutorados dedicados em exclusivo, e a tempo inteiro, à investigação científica ou à docência em instituições de ensino nacionais públicas, sofreu uma quebra de 5%, segundo dados da Direção-geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP). A tendência de redução prossegue este ano. Os dados mais recentes, relativos a junho deste ano, continuam a evidenciar uma quebra face a 2011, fixando-se nos 24.145 investigadores de carreira e docentes do ensino superior público. A tendência que se vem acentuando preocupa doutorados, reitores e associações que falam de um cenário laboral onde a precariedade e a instabilidade profissional são a regra com impacto claro na competitividade do país face aos seus congéneres europeus nesta área.
(…) O país regista sérios problemas de empregabilidade ao nível dos doutorados. Uma análise ao registo nacional de teses doutoramento e doutoramentos concluídos entre 2001 e 2012, promovida pela Direção-geral de Estatísticas da Educação e Ciência, aponta para um total de 25.711 teses de doutoramento em Portugal, maioritariamente na área das ciências sociais e humanas, engenharia e tecnologias. Onde param estes investigadores e qual a natureza dos seus vínculos contratuais? A Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis não traça um bom cenário: “são maioritariamente precários ou eternos bolseiros e muito dificilmente têm acesso a um contrato de trabalho”.
Paradigmático é também o último parágrafo da reportagem que nos dá conta da situação atual de uma investigadora portuguesa Sofia Koch, presidente da Portuguese Association of Researchers and Students in UK (PARSUK), que agora é mais uma doutorada a trabalhar numa empresa, mas porque desistiu de tentar fazer investigação científica:
Sofia Koch já estava no Reino Unido quando conseguiu uma bolsa da FCT. Está fora de Portugal desde 2009, realizou doutoramento e pós-doutoramento no Reino Unido. Durante cinco anos investigou na área do cancro. O cansaço e a insatisfação fizeram-na colocar um ponto final na carreira de investigação e hoje trabalha numa empresa em Cambridge onde testa reagentes que mais tarde vão ser essenciais aos cientistas de todo o mundo. Embora não produza ciência, contribui para ela.
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