Precariedade: O acordo à esquerda
Nos dias em que se discute o programa do anterior governo, devotado à austeridade como ferramenta de contínua degradação social e popular, já foi tornado público o acordo entre PS, PCP, BE e PEV. A viragem assinalada pelo PS no acordo obtido com os partidos à sua esquerda materializa-se num programa que revela importante ambição no combate à precariedade e ao desemprego, travando e até revertendo políticas do actual governo e de governos anteriores: principalmente no combate aos falsos recibos verdes, aos contratos a prazo e à utilização abusiva de bolsas de investigação. Um bom começo que tem de ser reforçado com mais iniciativas.
Destacamos na análise do programa resultante do acordo entre o Partido Socialista e os partidos à sua esquerda (Bloco de Esquerda, Partido Comunista Português e Partido Ecologista “Os Verdes”) o ponto 3 “Promover o Emprego, Combate a Precariedade”. Neste ponto, reproduzimos as principais medidas para “evitar o uso excessivo dos contratos a prazo, os falsos recibos verdes e outras formas atípicas de trabalho, reforçando a regulação e alterando as regras do seu regime de Segurança Social”. Nesse sentido é proposto:
– limitar o regime de contratos a prazo, que deve deixar de ser a regra quase universal de contratação, limitando-se fortemente a sua utilização;
– agravar a contribuição para a Segurança Social das empresas que revelem excesso de rotatividade dos seus quadros em consequência da excessiva precarização das relações laborais;
– facilitar a demonstração da existência de contratos de trabalho em situações de prestação de serviços (i.e., falsos recibos verdes), para combater o recurso ao expediente do falso trabalho independente por parte dos empregadores. Deve passar a considerar-se a existência efetiva de um contrato de trabalho, e não apenas a presumi-la, quando se verifiquem as características legalmente previstas nesta matéria;
– criar um mecanismo rápido, seguro e efetivo de reconhecimento de situações de efetivo contrato de trabalho (nos falsos recibos verdes), dispensando-se o trabalhador de recurso a tribunal para fazer prova dos factos apurados, sem prejuízo de recurso arbitral ou judicial por parte do empregador;
– reforçar as competências da Autoridade para as Condições do Trabalho, por forma que se aumente a capacidade de regulação do mercado de trabalho por via do aumento da dissuasão dos incumprimentos das regras laborais e, também, de verificação da conformidade com estas;
– reavaliar o regime contributivo entre empregadores e trabalhadores a recibos verdes com forte ou total dependência de rendimentos de uma única entidade contratante, integrado no esforço de combate aos falsos recibos verdes;
– rever as regras para determinação do montante de contribuições a pagar pelos trabalhadores que passam recibos verdes, para que estas contribuições passem a incidir sobre o rendimento efetivamente auferido, tendo como referencial os meses mais recentes de remuneração; – isto é, passar a fazer os descontos para os recibos verdes com base nos valores realmente recebidos.
– reforçar da fiscalização do cumprimento das normas de trabalho, combater o uso abusivo e ilegal de contratos a termo, dos falsos recibos verdes, do trabalho temporário, do trabalho subdeclarado e não declarado e o abuso e a ilegalidade na utilização de medidas de emprego, como os estágios e os contratos emprego-inserção, para a substituição de trabalhadores;
– regularizar da situação dos trabalhadores com falsa prestação de serviços: falso trabalho independente, falsos recibos verdes e falsas bolsas de investigação científica;
– avaliar o regime de proteção no desemprego para trabalhadores a recibos verdes, favorecendo um novo equilíbrio entre direitos e deveres dos trabalhadores a recibos verdes com novos direitos, vinculando estes trabalhadores ao sistema previdencial da Segurança Social;
– eliminar progressivamente o recurso a trabalho precário e programas de tipo ocupacional no setor público como forma de colmatar necessidades de longa duração para o funcionamento dos diferentes serviços públicos;
– formalizar o emprego científico após os doutoramentos, isto é, acabar com as bolsas de investigação pós-doutoramento, substituindo-as por contratos de trabalho.
A Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis reconhece o importante avanço que poderão representar estas medidas (existindo ainda muitas outras no programa que deverão constituir uma política de devolver rendimentos em salários, pensões e serviços públicos) num efectivo combate à precariedade e ao desemprego. A auscultação feita pela associação aos vários partidos políticos antes das eleições sobre o Plano de Emergência de Combate à Precariedade e Desemprego foi para nós esclarecedora, e hoje vemos uma parte desse programa vertido em programa de governo. Tudo faremos para garantir a efectiva aplicação das mesmas, também fazendo um esforço para a integração das propostas que ainda não estão incluídas no futuro de uma possível governação do Partido Socialista com os partidos à sua esquerda. Existe neste momento uma importante possibilidade de se terminar um ciclo de precarização acelerada, promovida principalmente a partir do Estado e dos governos anteriores, e é declarada como objectivo neste programa. Os Precários Inflexíveis assinalam como muito positiva esta possibilidade de terminar um ciclo infernal de destruição de pessoas e de vidas.
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Bom dia
Já li os três acordos assinados, e não referem acabar com o abuso das bolsas de investigação, referem sim “estágios”.