Precários pela vida fora
E para acompanhar uma opinião publicada na A.23 Online:
E de repente existem precários em Portugal. A espectacular cobertura mediática à volta da divulgação de dados relativos ao emprego precário aposta em retratar a coisa como algo de exótico, de novo, que existe mas não se sabe se veio para ficar. E perante tal, a resposta governamental não podia ser mais exótica: impor ao patronato o pagamento de 5% dos custos de segurança social pagos pelo trabalhador a recibo verde, reconhecendo assim o recurso generalizado (e ilegal) do recrutamento de “empresários em nome individual” por parte das empresas.
A precariedade é mais do que isto. Constitui certamente um fenómeno mais visível em termos laborais, caracterizando a condição de cerca de 41,8% da população activa – desempregados, trabalhadores a recibo verde, contratados-a-prazo ou inscritos em empresas de trabalho temporário -, e de todos os trabalhadores não contabilizados nestes dados – estagiários ou imigrantes ilegais -, igualmente forçados a entrar num jogo em que se aposta o possível e o impossível para se gozar de um mínimo de estabilidade (raramente alcançada). No entanto, a precariedade apresenta sinais de dilatação social, prendendo na sua teia tanto a jovem endividada perante o banco ou a seguradora de saúde, como o cidadão de outro país a quem é negado o visto de residência.
A indiferença que estas situações mereceram por parte de partidos políticos e sindicatos – que apenas recentemente acordaram para o problema – levou ao aparecimento de iniciativas como o May Day, pequenos sintomas da afirmação do precariado enquanto sujeito político. Inicialmente realizado em Milão e mais tarde alargado a outras metrópoles europeias (entre as quais Lisboa), o May Day propõe-se todos os anos a refundar a evocação do dia 1 de Maio, utilizando a seu favor a mesma criatividade e imaginação que alimentam a produção desenfreada e o consumo em massa. A sua relevância decorre não tanto do número de pessoas que reúnem, mas essencialmente da alternativa que simboliza: tanto na sua composição heterogénea, como na sua dinâmica democrática e metodológica.
Deste ponto de vista, o May Day é expressão deste “afirmar negando”, cujo alento reside na inexistência de uma forma institucional rígida ou num programa político. É tão-somente um colocar em causa, um grito que desafia, a declaração de guerra de uma força colectiva que, cansada de carregar sobre os seus ombros o peso de todo um sistema económica que lhe usurpa as energias, quer produzir autonomamente, decidir livremente, viver dignamente.
Texto de José Nuno Matos