Programa do Governo: mais longe do mundo do trabalho e do combate à precariedade
O Programa do Governo, divulgado no passado sábado, logo após a primeira reunião do novo Executivo, não revelou surpresas. Será agora discutido esta quarta e quinta-feira no parlamento, dando início a um mandato sem as convergências e articulações que marcaram o ciclo anterior. O documento é, no essencial, uma cópia do programa eleitoral do Partido Socialista e confirma os seus traços essenciais. António Costa e o Partido Socialista optaram, nas matérias mais relevantes, por não se comprometer com metas e objectivos concretos, limitando-se a enumerar objectivos vagos e sem identificar medidas claras e um calendário para as aplicar. No campo do trabalho, menorizado até na forma como é apresentado no documento, está ausente a perspectiva de corrigir os elementos mais agressivos da vaga anti-laboral dos tempos da troika; e o combate à precariedade não vai muito para além de enunciados gerais.
O Programa é significativo, acima de tudo, por aquilo que não diz, pela opção de não concretizar e pelos temas importantes que omite. No que diz respeito ao combate à precariedade, desde logo, é muito relevante que o PREVPAP esteja ausente do documento. Estando o programa de regularização da precariedade no Estado por concluir, num momento em que a maioria das CAB ainda não finalizaram os trabalhos, o Governo opta, uma vez mais, por não se comprometer com os prazos para a sua conclusão e com as necessárias garantias de que o processo vai cumprir efectivamente os objectivos definidos. Não vamos deixar que, depois de o Governo ter falhado todos os prazos, o PREVPAP seja esquecido ou tratado como se fosse simplesmente um tema da anterior legislatura – o programa está por concluir e o Governo está obrigado a cumprir o objectivo de regularizar todas as situações de precariedade no Estado.
Questões centrais no combate à precariedade, como o trabalho temporário e o falso outsourcing, estão simplesmente ausentes das opções programáticas do novo Governo. Recordamos que, na anterior legislatura, apesar de identificada a necessidade de implementar medidas para combater o abuso, as alterações legislativas ficaram muito aquém das promessas e expectativas. Com esta omissão no Programa, o Governo está a afirmar que pretende manter um quadro legislativo que legaliza o negócio da precariedade.
Registamos que o Governo, embora sem se comprometer com medidas concretas, afirma a necessidade de regular as “novas formas de trabalho” através das plataformas digitais, bem como o acesso destes trabalhadores e destas trabalhadoras à protecção social e ao direito à organização. Insistiremos para que o Governo concretize opções e medidas. Não é desculpável adiar uma efectiva alteração ao actual quadro de total desregulação e impunidade que permite as mais agressivas formas de exploração.
Por outro lado, são positivas as referências a aspectos que há muito são preocupação e exigência nossa, como é o caso da interconexão de dados entre a Autoridade para as Condições do Trabalho e a Segurança Social e Finanças (por forma a garantir uma maior eficácia na sinalização de situações de precariedade e na acção inspectiva) ou a ponderação do cumprimento de critérios dedireitos laborais pelas empresas no acesso a concursos públicos. Sendo relevante que, finalmente, seja considerada a aplicação destes princípios, as formulações são vagas e não há metas concretas.
Há outros aspectos relevantes e nos quais o Governo apostou do ponto de vista comunicacional. Logo na tomada de posse, António Costa quis que a notícia fosse dominada pela perspectiva de um aumento do Salário Mínimo Nacional para os 750 euros até 2023 – no entanto, além de fixar um objectivo que fica aquém das legítimas expectativas de superação dos baixos salários, Costa atira tudo para a Concertação Social e, portanto, para a articulação com os patrões. Por outro lado, embora sem grande concretização, o Governo compromete-se com uma melhoria na progressividade no IRS – sendo um objectivo positivo, não é claro quais serão as medidas nos escalões.
Num documento cuja principal marca são as omissões, com a enunciação de objectivos gerais e sem concretização, em que estão ausentes questões essenciais e sobre as quais terá de haver decisões, percebe-se a vontade de António Costa e do Governo em escapar à confrontação e ter margem estratégica. Mais do que definir prioridades ou comunicar opções, pretende dar um sinal de que o contexto mudou. Com a opção por uma governação autocentrada, sem os compromissos da anterior legislatura, os efeitos não são apenas na composição do Governo ou na perspectiva de uma diferente gestão do mandato, mas também nas escolhas políticas.
O Governo mantém a orientação que corresponde à viragem na última fase do mandato anterior, que teve uma expressão clara na opção por uma alteração à legislação laboral em que, embora tendo de corresponder ao compromisso com algumas medidas positivas (como a redução da duração dos contratos a prazo), se mantiveram os elementos mais agressivos da política da troika e se introduziram regras que agravam a precariedade (como a ampliação da abrangência e duração dos contratos de muito curta duração). A ostensiva aproximação aos patrões, que têm dispensado repetidos elogios ao novo executivo ao longo das últimas semanas, correspondido com a promessa de articulação no campo minado da Concertação Social, é o sinal mais claro das intenções do Governo.
Ver Programa do Governo, aqui.
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