Proposta de OE deixa muita gente para trás e não responde à urgência na protecção social e no emprego

A proposta de Orçamento de Estado entregue esta segunda-feira pelo Governo (ver aqui) fica muito aquém do que era necessário e esperado. Depois de várias semanas em que foram sendo divulgadas as possíveis medidas para enfrentar a situação extraordinária que vivemos, nas matérias essenciais as opções são insuficientes ou inexistentes. Perante a agudização da crise social, com uma ainda maior pressão sobre o emprego e os rendimentos, a proposta do Governo falha na protecção a quem está em situação mais vulnerável. Os precários e as precárias, apesar de estarem na primeira linha dos efeitos da crise sanitária, continuam a ficar para trás: tal como até aqui, as medidas de protecção do emprego não incluem os precários e o novo apoio extraordinário deixa de fora ou é insuficiente para quem já está em situação de maior desprotecção.

A proposta de novo apoio para proteger quem perdeu rendimentos do trabalho, discutido ao longo das últimas semanas, não responde às necessidades. Não só não se verifica a promessa de garantir que ninguém fica abaixo do limiar da pobreza, como uma parte significativa das pessoas ficam excluídas ou remetidas para um apoio de valor muito reduzido – nomeadamente, uma parte importante das pessoas que trabalham a recibos verdes. A condição de recursos para acesso à prestação é restritiva e, para quem está em situação mais precária, os valores desta prestação podem mesmo ficar abaixo dos montantes dos apoios extraordinários que estiveram ou ainda estão em aplicação. Para quem tem menos protecção, apenas está previsto um apoio de 6 meses, o que significa incerteza em metade do ano. Neste momento crítico, quando sabemos que a crise social vai agravar-se, o Governo propõe uma protecção que poderá ser mais limitada para muitas pessoas a quem os últimos meses já pesaram tanto. E define um mínimo que não se pode aceitar: 50 euros não pode ser o mínimo da protecção social na emergência.

Na protecção do emprego, o Governo continua a deixar a maioria dos precários de fora. Desde logo, porque, estando já anunciadas para 2021 novas medidas de apoio à manutenção da actividade das empresas e do emprego (lay-off ou semelhantes), aponta para manter as regras que permitiram a vaga de despedimentos de precários na primeira fase da crise sanitária. Quanto ao regime transitório previsto no Orçamento, que condiciona as grandes empresas a manter o nível de emprego para aceder a benefícios fiscais, a medida é positiva mas com aplicação limitada: porque se aplica a um universo reduzido de empresas (apenas 22% dos trabalhadores por conta de outrem); e porque tem como referência o nível de emprego de Outubro de 2020 (já depois de consumada a vaga de despedimentos inicial) e exclui uma parte significativa dos precários (parte dos contratos a termo, trabalho temporário e outsourcing).

Adicionalmente, o Governo não avança com alterações estruturais nas prestações de desemprego. Sendo positiva a majoração do limiar mínimo do subsídio de desemprego para os 505€, não são alteradas as regras que fazem com que actualmente a grande maioria dos desempregados não tenha acesso ao subsídio de desemprego nem ao subsídio social de desemprego.

Fica também a preocupação com o anunciado programa de estágios na Administração Pública. Sabemos que os estágios são, há vários anos, um expediente para suprir necessidades permanentes através de trabalho precário – as recentes regularizações no âmbito do PREVPAP demonstram-no.

Registamos que o Governo inclui no Orçamento de Estado uma autorização para a criação do Estatuto dos profissionais da área da cultura, ainda sem definir opções claras. Depois da forte mobilização e pressão dos profissionais da cultura, o Governo assumiu o compromisso de tomar medidas concretas para combater a precariedade e a desprotecção generalizada destes profissionais. Recordamos que, no âmbito das reuniões com o Governo para a discussão deste Estatuto, que decorre neste momento, as organizações do sector têm denunciado o arrastamento do processo e a falta de soluções concretas.

Estas semanas de negociação revelaram também o posicionamento do Governo sobre outras matérias muito relevantes, recusando avançar no combate à precariedade: mantém-se o alargamento do período experimental, que foi responsável por um elevado número de despedimentos no primeiro semestre de 2020; não há intenção de alterar os valores das indemnizações por despedimento ou caducidade dos contratos de trabalho a termo, mantendo-se em vigor os que foram impostos no período da troika; e continuam por concretizar as promessas no que toca ao enquadramento laboral dos trabalhadores das plataformas digitais. Apenas no domínio do trabalho temporário foram anunciados avanços (equiparação às regras do contrato a termo, com limitação para 3 renovações), mas cuja concretização é desconhecida, uma vez que a matéria não integra a proposta de Orçamento.

O ano de 2021 será muito difícil. Nos seus próprios cenários, o Governo admite que será assim: mais desemprego, muitas pessoas a ficar com poucos ou nenhuns rendimentos, grandes dificuldades para quem já está em situação difícil. Num momento tão crítico, assegurar apoio a quem perdeu tudo e proteger o emprego dos mais frágeis é o primeiro critério para julgar as escolhas de um Governo. É esse o problema deste Orçamento de Estado e das opções que se foram revelando nos últimos dias.

 

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