Que surpresas trará o FMI nas suas férias europeias? (parte 2)

2º Acto: A trama adensa-se
A Irlanda da ultraliberal economia, cujo governo salvou os bancos com uma injecção de 489 mil milhões de euros (três vezes o valor do PIB do país) e a nacionalização do Allied Irish Bank (mais 48,5 mil milhões de euros), viu avassaladoramente devido a este facto o seu défice público passar de 0% em 2007 para 32% em 2010. Em 22 de Novembro de 2010 o governo de Brian Cowen pediu a ajuda ao FMI e aos recém-criados fundos europeus de estabilidade financeira (EFSM e EFSF), num total de 85 mil milhões de euros. O FMI forneceu 22,5 mil milhões de euros, enquanto o restante veio da UE. Do pacote de salvamento, 35 mil milhões destinam-se a apoiar o sistema bancário, 10 à recapitalização imediata dos bancos o restante para outras contingências do sistema.
Como condição pelo empréstimo contraído, o primeiro-ministro anunciou imediatamente um corte de 10 mil milhões de euros em despesas públicas e um aumento de 5 mil milhões em receitas tributárias. É no entanto expectável que os cortes profundos feitos na economia irlandesa tenham o efeito de reduzir a receita fiscal devido ao abrandamento da actividade produtiva. Ao longo de três anos consecutivos, de 2008 a 2010, a Irlanda já havia cortado próximo de 15 mil milhões de euros nas suas despesas públicas (aproximadamente 9% do PIB) em resposta à crise bancária, mas esses cortes parecem estar mais na origem que na consequência da situação económica actual da Irlanda.
A taxa de desemprego na Irlanda, próxima de 14% (em 2007 era de 0%, embora grassasse a precariedade laboral no país), agravar-se-á seguramente com os despedimentos do sector público. As medidas de austeridade certamente cortarão o consumo do país e reduzirão a receita fiscal, impedindo a recuperação do défice e o pagamentos das novas dívidas assumidas sob a forma de “salvamento”.
Os sacrifícios não são para todos, como expectável: o historicamente baixo imposto de 12,5% para as empresas na Irlanda, que criou o mito do “Tigre Celta” (expressão cunhada devido ao elevado crescimento económico do país no período de 1995 a 2007), foi mantido. Os impostos domiciliários pagos pelas multinacionais mantêm-se entre 3 e 4%. O IVA aumentará um ponto percentual para 22%, acabarão as isenções para os pensionistas (cujas reformas foram indefinidamente congeladas) e aumentarão os impostos para a generalidade dos trabalhadores. O governo congelou o Fundo Nacional de Pensões, que não poderá aceder aos seus próprios investimentos até 2025. Mudando a legislação, o governo pretende utilizar os 15% de propriedade que tem deste fundo para comprar 17,8 mil milhões de emissões de dívida do Estado com o dinheiro das pensões dos trabalhadores e dos reformados irlandeses.
O ordenado mínimo foi reduzido de 8,65€ horários (1560€ mensais) para 7,65€ horários (1101€ mensais), uma redução de 11%. Foram suprimidos 24750 empregos de funcionários públicos (8% do efectivo). Os gastos na Segurança Social receberam um corte de cerca de 3 mil milhões de euros. Outros 3 mil milhões foram cortados em projectos do governo. Foram reformados os subsídios de desemprego e “melhorados” os incentivos a aceitar emprego. Os novos contratados passarão a receber um salário 10% inferior ao anteriormente auferido para a mesma posição.
Apesar destas medidas o ministro das Finanças Irlandês, Brian Lenihan, com um optimismo típico do chapeleiro louco de Lewis Carroll, espera que a economia irlandesa cresça numa média de 2,75% de 2011 a 2014.
O representante irlandês junto do Tribunal Europeu de Auditores chamou a atenção à sobrecarga da taxa de juro de 2,9% empregue pela União Europeia (EFSM e EFSF) no empréstimo feito à Irlanda. Devido ao rating de AAA da UE, esta pede dinheiro emprestado a 3%, emprestando-o por sua vez a 5,8% (chegando aos 6,05%) à Irlanda, o que daria no final do empréstimo pago pelos irlandeses, um lucro mínimo de 5 mil milhões de euros para a UE para os 4 anos do empréstimo. Até o FMI empresta à Irlanda a uma taxa de juro inferior à da EU (5,5 a 5,7%).
No entanto, as taxas de empréstimos servirão para reembolsar os bancos e entidades financeiras que compram os títulos da dívida da Irlanda. Estes podem tomar empréstimos a 1% junto ao Banco Central Europeu, conforme o seu rating (que frequentemente compram à Moody’s e à Standard & Poor’s – um excelente investimento).
3º Acto – Os Autos-de-fé voltam a Portugal?
No seguimento dos PECs do governo português, é repetida à náusea a inevitabilidade do ingresso do FMI em Portugal. Até o Presidente da República e principal candidato à reeleição, Cavaco Silva, já foi assalariado deste fundo e ansiará seguramente pelo regresso dos seus velhos patrões, com medidas que não teria capacidade política de implementar. Observando o exemplo da Grécia e da Irlanda do que virá com o FMI, resta-nos fazer algumas perguntas: aceitaremos novamente sentados o regresso do fundamentalismo à nossa sociedade, a desprotecção e o fim dos direitos? Queimarão novamente as fogueiras com os carrascos e executores? Deixaremos voltar inapelavelmente a lei do mais forte, a protecção da caverna e o medo do fogo? Ou seguiremos o exemplo argentino?

João Camargo

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