Quem quer ser precário?


Debate do ciclo “Os precários não se calam”
Escola Superior de Comunicação Social
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2008, às 16h30

«Os precários não se calam». Pois não. Na passada Quinta-feira, dia 28 Fevereiro, na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS) as vozes aqueceram com o primeiro debate de um ciclo proposto pelos Precários Inflexíveis para discutir nas escolas a precariedade que por aí anda a morder-nos os calcanhares. Um debate co-organizado com a FARPA, um grupo de estudantes activos e inquietos da ESCS, que na verdade organizaram quase tudo o que havia para organizar: convidaram pessoas, divulgaram o debate por toda a escola com balões (com hélio!) com mensagens penduradas, provocações (pro-vocar é chamar mais vozes) sobre precariedade em papéis pequenos e grandes. Pediram ajudas a funcionários, confrontaram os professores, alertaram os estudantes. E encheram a biblioteca para um debate. Em tempos de anestesia geral, não será isto precioso?
Primeiro ouviram-se as intervenções de quatro convidados que tinham tanto para dizer que não cabia nos quinze minutos previstos. Mas foi o moderador “inflexível” que lançou as primeiras achas para a fogueira: será a precariedade inevitável, como andam para aí a dizer patrões e certos governos amigos das flexibilidades?
Jorge Veríssimo, da direcção da escola e coordenador de estágios da ESCS deu algumas informações úteis, defendeu o trabalho do gabinete de estágios e o alargamento de uma estratégia de “lobbying” para colocar mais alunos da ESCS no “mercado de trabalho”. Há gabinete de estágios, há empresas a contactar a escola, lá se vão arranjando umas coisas, mas há estágios sucessivos não pagos, e continua-se à procura de emprego, à procura, à procura… trabalho “efectivo”, nada? Pouco. E não é só ali. Como se sabe, há muitos milhares de recém-licenciados no desemprego e 31% dos licenciados não encontram trabalho, dizem números recentes.
Diana Andringa começou com um “até que enfim que acordaram!” E levantou questões importantes: criticou o discurso da comunicação social e dos que dizem “pois, o capitalismo é assim”; alertou para o facto de a precariedade nos media ser um perigo para a qualidade e a liberdade de informação. Segundo Diana Andringa, precisamos de jornalistas que possam contestar, fazer perguntas difíceis, pôr em causa o “escalonamento” (a hierarquização) dos trabalhadores. Mas o essencial do seu discurso pode ser resumido assim: queixarmo-nos um pouco menos e lutar um pouco mais. Com solidariedade entre quem trabalha ou procura emprego, não contra o parceiro do lado.
Paulo Duarte, técnico de luzes no ramo dos “audiovisuais”, que participa nas actuais lutas dos intermitentes do espectáculo, falou da questão central da segurança social e das injustiças que se verificam actualmente com muitos trabalhadores (não só os intermitentes do espectáculo mas todas as pessoas que andam a viver de biscates ou não conseguem um contrato) e dos eternos recibos verdes. Referiu-se também ao ambiente agressivo, violento e competitivo e às condições de trabalho (que não se reduzem a “quanto nos pagam”). Apelou também a que se falasse mais das soluções e não apenas dos problemas.
Jorge Wemans, actual director da RTP 2 e jornalista, chegou ligeiramente atrasado mas teve ainda tempo para uma intervenção bem interessante. Um terço dos trabalhadores portugueses são precários, lembrou ele. Então não se devia começar por tratar de dar condições de trabalho a esse terço em vez de andar para aí a “flexibilizar” e a precarizar os outros? “Não é um problema específico dos jornalistas ou da comunicação social”, disse Wemans. Mas nos media isso levanta, segundo ele, problemas “graves do ponto de vista da democracia”, porque submete ainda mais aquele que produz a informação a “agendas de terceiros”, e não às escolhas independentes, mais livres e conscientes de quem faz, por exemplo, notícias. E assim vai para o galheiro o que ele julga fundamental nos media: qualidade e credibilidade. Sobre os estágios, falou de uma passagem de um círculo “virtuoso” (quando os estágios, segundo Wemans, serviram para trazer “sangue novo” às redacções) para um círculo “vicioso” (agora que os estágios se eternizam, e significam abuso sem freio). A questão central a respeito dos jornalistas e produtores de informação, segundo ele mais “fracturante” ainda do que a questão laboral nas redacções, é: “para que serve a profissão que exercem?”
Muita gente quis depois tomar a palavra: estagiárias a contar que “vão para o terceiro estágio”, e a questionar directamente a direcção da escola (os debates também servem para coisas destas!). E ouviram-se alguns precários a chamar os bois pelos nomes ou a exigir a responsabilização das universidades, dos empresários, do governo…
Os estágios devem ser pagos? Como lutar contra a precariedade? A mobilização é utópica ou não? O mérito é um valor ou uma mentira? E a mercantilização do ensino, faz bem a quem? Há cursos a mais, ou o problema é outro? Houve ideias diferentes sobre tudo isto, o que deu muita dinâmica ao debate. Por ali passaram dezenas de pessoas à procura das palavras e das ideias certas. E foram mais de duas horas.
Diana Andringa deixou pelo menos uma ideia de que não me esqueço. Que as pessoas podem lutar, cooperar, intervir, transformar o mundo, através daquilo mesmo que gostam, querem, precisam de fazer: “Queres ser jornalista? Cria um jornal.”

Pedro R

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