Requalificação: quando o Estado muda as regras e te paga 0€ | Testemunho
Recebemos este testemunho de alguém que ficou presa nas malhas da reaqualificação porque o governo PSD/CDS-PP mudou as regras a meio do jogo:
«Entre Jan.2010 e Dez. 2013 fui bolseira de doutoramento da FCT.
Como exigem exclusividade, pedi licença sem vencimento por 4 anos do Inst. Conservação da Natureza (Minist. Ambiente), a cujo quadro pertencia há 23 anos; com a garantia, dada pela lei de então, que o lugar e o vínculo se manteriam.
Com o avançar da crise e das injustiças por ela facilitadas, o Instituto foi extinto por fusão. Por isso, no dia em que regressaria ao ativo, a 2 Jan. 2014, entrei automaticamente no regime de Requalificação (de que me avisaram com antecedência).
Ora a requalificação que, toda a gente sabe, é uma descarada antecâmara do despedimento, remunera com 60% do vencimento durante um tempo, valor aliás discutidíssimo nos media, etc.. Certo? Nem isso é certo, há exceções escondidas. Escondidas numa nova lei, saída um mês antes de eu regressar ao Estado.
Essa lei 80/2013, de 28 Nov. mudou completamente as regras do jogo, que eu tinha aceite quatro anos antes. O meu lugar já não era no quadro, que se extinguira, mas na lista de gente a “requalificar”, e uma alineazinha no art. 35º, lá para o fim, dita isto: quem entra em requalificação vindo diretamente de licença sem vencimento não recebe 60% do vencimento, recebe 0%.
Zero até – e se – conseguir voltar ao ativo num sítio público qualquer.
E foi assim que eu, após ter solicitado várias vezes o regresso às minhas antigas funções ou equiparadas, e com a bolsa concluída, vivi quase um ano sem remuneração absolutamente nenhuma! A única saída foi aceitar a indemnização por adesão ao programa de rescisões do estado. E “aceitar” que durante oito anos não poderei colaborar com o Estado nem ter subsídio de desemprego.
Comigo, e só no ICN, 60 outras pessoas ficaram nessa situação; certamente muitas outras, por toda a função pública.
Como é que este abuso nunca veio a público é que não faço ideia. Eu contactei o Sindicato (que esteve nas negociações da lei e não cumpriu o seu papel), o Provedor de Justiça (que está há ano e meio para responder), chateei todos os grupos parlamentares, a presidente da AR, falei com advogados, fiz trinta por uma linha. Porque acho isto uma arbitrariedade, e das nojentas!
Finalmente, o BE lá me recebeu e ouviu, garantiu que não fazia ideia de uma coisa destas e tem tentado ajudar, apesar de eu ser uma interlocutora individual a reclamar.
E pronto, desculpem lá o testamento. Fica para informação vossa, nunca se sabe se servirá a alguém.»
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