Recibos verdes: alterações no IRS não podem penalizar quem tem rendimentos médios, Governo tem de terminar com o ruído e corrigir

Nos últimos dias, sucederam-se anúncios com impacto para quem trabalha a recibos verdes. Em matérias muito relevantes e sensíveis, além de algumas opções erradas, o Governo desprezou a importância de informar e comunicar, gerando preocupação e indignação entre os trabalhadores precários. Primeiro, foram os avanços e recuos relativamente ao novo regime de contribuições. Depois, as alterações nas regras do regime simplificado e os impactos no pagamento de IRS, introduzidas no Orçamento de Estado para 2018, causaram forte apreensão. Dadas as muitas dúvidas que surgiram, partilhamos aqui alguma informação útil, tentando aprofundar a informação que já divulgámos. Esta medida tem de ser corrigida, porque as novas regras, tal como estão, podem prejudicar quem tem rendimentos médios. E há outra alteração às regras do IRS que os trabalhadores a recibos verdes esperam há muito, porque é preciso terminar finalmente com uma das medidas do reinado da troika e Passos Coelho, que teima em persistir: a incomportável taxa de 25% para a retenção na fonte.

Antes de mais, importa perceber em que consiste a proposta do Governo. Actualmente, quem está no regime simplificado (ou seja, quem não tem contabilidade organizada) conta com uma redução automática da base de tributação para 75% no IRS. Ou seja, 25% dos rendimentos ficam isentos de tributação em IRS, por se considerar que correspondem a encargos com a actividade. O que o Governo agora propõe é que, a partir do limiar de 16.416 euros anuais (uma média de 1.368 euros por mês), essa base reduzida deixe de ser automática, passando a depender da apresentação de facturas que comprovam essas despesas que justificam a redução. Ou seja, nesta proposta, até 16.416 euros mantém-se a redução da base em 25% para apurar o valor de imposto a pagar, sem ser necessário apresentar despesas; apenas a parte dos rendimentos que superar este limiar deixa de ter dedução automática; para conseguir atingir essa dedução até 25%, o trabalhador tem de apresentar facturas comprovativas das despesas. Para perceber melhor, vale a pena consultar esta notícia no Jornal de Negócios.

O Ministro das Finanças já veio garantir que não se trata de um aumento de impostos e que esta medida visa apenas “mais transparência no sistema fiscal”. No entanto, as coisas não são bem assim. É correcto que, quem tem rendimentos elevados, seja chamado a contribuir e não beneficie de forma automática de deduções injustificadas. Mas o limiar proposto pelo Governo atinge quem tem rendimentos médios e isso não é aceitável. Basta constatar que, para este nível de rendimentos, quase metade valor vai para pagar as contribuições à Segurança Social e a retenção na fonte, restando um rendimento disponível que não pode ser considerado elevado.

Se o Governo pretende terminar com situações em que rendimentos elevados escapam automaticamente à devida tributação, então o limiar definido deve ser muito mais elevado. Não é admissível sobrecarregar quem tem rendimentos baixou ou médios com mais obrigações, ainda para mais com o risco de resultar num aumento de impostos que já são muito pesados, o que pode afectar ainda mais quem está numa situação de falso recibo verde. E persistem dúvidas sobre o tipo de despesas são admissíveis para esta dedução, algo que o Governo deveria esclarecer.

Mas o Governo não pode propor alterações às regras do IRS sem incluir a revisão da retenção da fonte. A imposição da taxa actual é uma pesada herança da troika e do Governo de PSD/CDS, que aumentaram de 21,5% para 25%. A obrigação da reter um quarto do rendimento é um fardo inaceitável, que abrange todos os trabalhadores que têm rendimentos anuais superiores a 10 mil euros. Esta taxa deveria ser progressiva e razoável, como para os restantes trabalhadores, dependendo dos rendimentos e ajustando-se à previsível taxa real. Mas é verdadeiramente um escândalo que, passados dois anos de mandato, o Governo não tenha ainda pelo menos eliminado a regra da troika.

É verdade que há outras alterações incluídas pelo Governo na proposta de Orçamento de Estado que são relevantes: os trabalhadores a recibos verdes passam a ser abrangidos pela protecção do critério do mínimo de existência, isentando de pagamento de imposto quem tem rendimentos anuais até cerca de 9 mil euros; e passa também a não ser possível penhorar dois terços dos rendimentos no caso de cobrança coerciva de dívidas, o que assegura garantias mínimas.

Por outro lado, sem qualquer justificação, o Governo desmente o que tinha sido anunciado nos últimos dias quanto à alteração na obrigação de cobrar IVA, que passaria para os 20 mil euros anuais. Embora não se possa falar num alívio fiscal real (os trabalhadores cobram IVA), esta medida iria diminuir a carga burocrática e poderia representar uma melhoria de condições para muitos trabalhadores. Ao recuar sem qualquer justificação, o Governo criou ruído e provocou incerteza e desconfiança.

O governo está em falta grave para com as pessoas que trabalham a recibos verdes: anunciou mudanças no IVA e não quer cumprir; anunciou agravamento do IRS e não quis explicar; não quer mexer na regra da troika da retenção na fonte; e mantém a paralisia nos pagamentos à Segurança Social. O governo tem de se vir explicar e tem de corrigir.

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