Recibos verdes: compromisso histórico no programa de governo que resulta do acordo à esquerda
O acordo à esquerda, que constituiu uma maioria que já se exprimiu na rejeição de mais um Governo da direita e se propõe viabilizar um executivo do Partido Socialista, afirma um novo ponto de partida no combate à precariedade. No que diz respeito aos recibos verdes, o compromisso estabelecido no programa de governo que se apresenta como alternativa à direita corresponde a uma viragem histórica. Pela primeira vez, são apontadas num programa de governo medidas concretas e efectivas para alterar o insuportável regime de contribuições que há tanto tempo persegue quem trabalha a recibos verdes; e é estabelecido o compromisso de aprofundar os mecanismos de reconhecimento e regularização das situações de falso recibo verde. São sinais consistentes e que abrem um novo ciclo de possibilidades, que, sem ilusões, sabemos que exigirá do nosso lado a mesma determinação de sempre. Depois de anos de luta e de construção sólida de propostas, esta é, em qualquer caso, uma conquista importante da batalha dos precários e demonstra que este combate se afirmou na sociedade portuguesa.
Em termos genéricos, estes compromissos vão no sentido das propostas pelas quais temos vindo a lutar há muitos anos e que condensámos no Plano de Emergência, que recentemente lançámos para debate público. Deixamos aqui um olhar breve sobre as medidas que prometem mudanças nestas duas dimensões essenciais relativamente aos recibos verdes:
1) O documento compromete-se com um reforço dos mecanismos de regularização das situações de falso recibo verde. É apontada a necessidade de “facilitar a demonstração da existência de contratos de trabalho”, afirmando-se que “deve passar a considerar-se a existência efectiva de um contrato de trabalho, e não apenas a presumi-la”. É também prometida a instituição de um “mecanismo rápido, seguro e efectivo” para o reconhecimento da relação laboral, que diminua a necessidade de recorrer a decisões judiciais, bem como um reforço das competências da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).
O programa parece, assim, aproximar-se do conteúdo essencial da proposta que temos vindo a defender: como os resultados demonstram, é necessário reforçar os mecanismos já previstos na nova lei de combate aos falsos recibos verdes, através do alargamento das competências que permitam à ACT determinar rapidamente os direitos previstos no contrato de trabalho que negaram aos trabalhadores – uma posição que tem vindo a ser defendida também pela actual direcção da ACT. Apesar do grande avanço que resultou da Lei 63/2013, é necessário garantir uma maior e protecção ao trabalhador e um reconhecimento imediato reconhecimento dos seus direitos. Este passo fundamental fica em aberto com este compromisso de governo.
2) O programa prevê também a alteração das regras das contribuições para a Segurança Social dos trabalhadores a recibos verdes. É referida a necessidade de “rever” a forma como são determinados os montantes das contribuições, por forma a que “passem a incidir sobre o rendimento efectivamente auferido, tendo como referencial os meses mais recentes de remuneração”. O documento assinala também a intenção de implicar as empresas no pagamento de contribuições, “tendo em vista o reforço da justiça na repartição do esforço contributivo”; e ainda o fortalecimento dos riscos cobertos pelo regime, nomeadamente tornando efectivo o acesso ao apoio no desemprego.
Estes princípios representam uma reorientação na lógica infernal do actual regime de contribuições. Como sempre afirmámos, é necessário terminar com as regras injustas que obrigam a descontos mensais de valor fixo, independentes dos rendimentos auferidos em cada momento, baseados nos rendimentos do ano anterior e sujeitos a escalões, com uma altíssima taxa contributiva e um muito limitado acesso aos correspondentes direitos. É, de facto, absolutamente essencial introduzir uma verdadeira relação entre rendimentos e contribuições – tanto na proporcionalidade do valor, como no momento de referência para os descontos -, bem como instituir uma taxa justa, assegurar a constituição de carreiras contributivas dignas e o verdadeiro apoio nas eventualidades cobertas (desemprego, doença, etc.). Temos afirmado que, perante um regime desgastado e sem emenda, impõe-se a instituição de um novo regime, com estas características. O programa agora revelado, não esclarecendo como se pretendem concretizar os princípios enunciados, é uma base importante para alcançar as mudanças urgentes que podem permitir um regime justo e praticável.
No seu conjunto, as medidas previstas para os recibos verdes neste programa de Governo alternativo à direita representam, assim, um avanço inédito no compromisso assumido por um executivo. Pode considerar-se uma síntese com base nas orientações reveladas nos programas eleitorais das forças políticas que agora anunciam o acordo para se constituir um Governo do Partido Socialista.
A enunciação destes objectivos num compromisso programático de Governo é, desde logo, um facto histórico. Sendo ainda as formulações genéricas e pouco detalhadas, será necessário perceber qual a concretização em propostas de medidas a implementar. Estaremos, como sempre, totalmente empenhados em contribuir para soluções concretas e que alterem de facto as injustiças e as ilegalidades. E manteremos toda a determinação e exigência, para que sejam realmente implementadas, de forma urgente, medidas que cumpram os objectivos anunciados.
by
Por outro lado, estive a ler as propostas de alterações e parece-me injusto e perigoso que nestas apenas se pense pelo lado dos “Falsos Recibos Verdes” e não dos verdadeiros trabalhadores independentes. Por exemplo, como se fazem os cálculos mensais de quem tem contabilidade organizada? Para estes, as contas são feitas em períodos alargados de tempo, entre ganhos e gastos e não se consegue calcular a média em dois ou três meses.
O problema é pagarmos 29.6% em vez dos 11% dos outros trabalhadores. E ainda pagarmos impostos sobre o valor das contribuições, numa flagrante inconstitucionalidade.
Por outro lado, se querem envolver as empresas no pagamento das contribuições, atenção porque as mesmas poderão passar a contratar os serviços de outras empresas e não dos independentes, que lhes sairão mais caros. Pondo em causa a sua sobrevivência. E, acreditem, ninguém é Trabalhador Independente por sua própria vontade. Por favor, nas alterações ao código não prejudiquem uns em detrimento dos outros, pois já estamos todos no limite do aceitável.