Recibos verdes: OE’2017 inclui norma para Governo avançar com novo regime de contribuições, mas deixa muitas indefinições e algumas inquietações
Tal como já tinha sido antecipado na passada semana, a proposta de Orçamento de Estado para 2017 prevê a constituição de um novo regime de contribuições para a Segurança Social dos trabalhadores a recibos verdes, mais concretamente no artigo 82º da proposta de OE. Não se trata de uma proposta de lei, mas de uma autorização legislativa, em que são definidas orientações para que o Governo avance com as alterações às regras actuais. Ou seja, não é apenas uma indicação, implica que esta alteração vai mesmo avançar. E confirma-se algo essencial: este novo novo regime prevê que as contribuições a pagar serão feitas com base nos rendimentos reais e têm como referência os meses mais recentes. No entanto , os princípios previstos enunciados são, em muitos aspectos, demasiado gerais e ficam dúvidas em relação a questões muito importantes.
O aspecto mais preocupante é o facto de se prever “a existência de um montante mínimo mensal de contribuições”. É certo que se argumenta com a necessidade de manter uma carreira contributiva sem interrupções, por forma a “assegurar uma protecção social efectiva” – algo que sempre afirmámos ser essencial, porque é preciso garantir um verdadeiro acesso a direitos e prestações sociais para os trabalhadores a recibos verdes – mas esta disposição contraria a expectativa justa de que terminem as regras que obrigam a contribuir mesmo quando não há rendimentos. Por outro lado, é garantido que, com base anual, o montante a pagar tem como base o rendimento auferido – o que parece indicar um compromisso de que, havendo pagamento de valores mínimos, eles são compensados quando há lugar a contribuições com base em rendimentos. É necessário, no entanto, esclarecer qual será esse valor mínimo, em que situações se aplica e como pode ser feita essa compensação.
A autorização legislativa prevê também alterações em aspectos essenciais, como as regras das entidades contratantes ou as situações de isenção, mas não esclarece em que sentido vão essas alterações. Para que seja coerente e justo, o novo regime tem de prever que as entidades contratantes sejam verdadeiramente co-responsabilizadas no esforço contributivo: não é possível que as empresas que recorrem aos recibos verdes continuem a beneficiar de uma espécie de paraíso contributivo, que deixa os trabalhadores isolados no pagamento das contribuições. Ou seja, é preciso repartir este esforço, para que o regime seja sustentável e justo, proporcionando um nível adequado de protecção e represente um encargo proporcional para quem nele está inscrito: é incomportável a aplicação de uma taxa de cerca de 30%, sobre rendimentos reais; e não é admissível, nem alguma vez foi proposto, diminuir o valor das contribuições com base na redução do nível de protecção.
A este respeito, preocupam as declarações do Secretário de Estado do Orçamento, João Leão, que, de forma pouco clara e pouco rigorosa, afirmou esta segunda-feira que os trabalhadores podem vir a “pagar menos ou pagar mais” com o novo regime que o Governo vai desenhar. São declarações que não ajudam a esclarecer, quando não se conhece uma proposta concreta e há várias indefinições.
Esta autorização legislativa significa um passo mais firme no sentido de finalmente ser aprovado um novo regime de contribuições para quem trabalha a recibos verdes. Depois de anos de regras absurdas e muito injustas, em que, para milhares de pessoas, a Segurança Social se tornou um inferno em vez de uma plataforma de solidariedade, é preciso agora que se avance rapidamente e não sejam frustadas as legítimas expectativas criadas pelos compromissos já assumidos. Para já, o Governo deve rapidamente esclarecer o sentido das alterações que pretende realizar. Esta indefinição não contribui para a confiança necessária, depois de tantos anos de injustiças e dos trabalhadores a recibos verdes se sentirem tantas vez enganados com promessas de anteriores governos. A nossa batalha é a de sempre: por um regime justo, baseado em contribuições com base nos rendimentos reais e no tempo certo, com uma taxa justa e que garanta o acesso a uma verdadeira protecção social.
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