Reformar a Segurança Social enterrando-a
Sustentabilidade e flexibilidade são algumas das palavras plásticas do léxico de propaganda que o Governo continua a utilizar para destruir os vários sectores que constituem o Estado Social em Portugal. Em nome da “sustentabilidade” da Segurança Social o Ministério de Pedro Mota Soares vem agora propor a “flexibilidade” da idade de reforma (tendo já sido congeladas as reformas antecipadas) e a “escolha” nos descontos para o sistema. A conquista de um sistema de Segurança Social para os trabalhadores foi um dos avanços mais notáveis a nível de estabilidade da sociedade desde que vivemos em democracia. Como destruir este sistema é portanto uma questão que aflige o Governo e os responsáveis pela pasta. A mais recente ofensiva passa pela proposta de criação de um plafonamento que permita que, a partir de determinado salário, as contribuições possam passar a ser feitas fora do Sistema da Segurança Social.
Esta medida é a perversão total do sistema e do objectivo da Segurança Social: redistribuição de riqueza entre diferentes escalões de vencimento e entre gerações, que permite esbater, ainda que de modo ligeiro, o fosso de riqueza que cada vez está mais patente na sociedade. Ao permitir que quem ganha mais deixe de contribuir para o bolo comum, passando a colocar o total das suas poupanças em contas poupança-reforma e outros tipos de contas bancárias, reduz-se o financiamento do fundo da Segurança Social, descapitalizando o mesmo e garantindo a sua insustentabilidade. Simultaneamente os trabalhadores que menos auferem verão o pouco salário mensal ser distribuído, com uma constante redução dos serviços da Segurança Social. Não há portanto réstia de redistribuição e começa a descortinar-se outro objectivo desta medida – colocar quem trabalha contra o sistema de redistribuição porque o mesmo está a ser transformado num simples sistema de extracção de riqueza.
É também por isso que Pedro Mota Soares cobra implacavelmente as dívidas dos trabalhadores mais expostos à insegurança e à precariedade – nomeadamente os falsos recibos verdes – enquanto simplesmente esquece as dívidas das grandes empresas à segurança social (que são outro verdadeiro roubo, uma vez que o desconto é uma parte do salário e ao não descontá-lo, a empresa está simplesmente a ficar com uma parte do salário devido a quem trabalha). O ministro utiliza o sistema de redistribuição de riqueza e de garantia de segurança no desemprego, na doença, na maternidade, na velhice exactamente para destruir essa segurança e realizar novamente uma transferência da riqueza dos que pouco têm para o sector financeiro e bancário. Se o ministro quisesse de facto garantir a sustentabilidade do fundo da Segurança Social, cobraria as dívidas dos empregadores e não dos trabalhadores, e averiguaria as dívidas dos falsos recibos verdes cobrando-as a quem verdadeiramente as deve – novamente os patrões (dos 7 mil milhões de euros de dívida à Segurança Social, apenas 500 milhões são devidos por “recibos verdes).
A justificação de Mota Soares de que “ao libertar o Estado de pagar pensões extraordinariamente elevadas” se acautela a sustentabilidade é totalmente desconexa deste assunto. Na verdade as reformas extraordinariamente elevadas (que há) provêm de outra questão – do facto de as mesmas, ao contrário das reformas normais dos trabalhadores, não estarem associadas ao nível de descontos realizados todos os meses e serem decretadas administrativamente. Isso tem solução – indexar as reformas aos descontos realizados.
Mas esta é apenas uma etapa intermédia para permitir alcançar o objectivo final – realizar o assalto final à Segurança Social, a última “galinha dos ovos de ouro” do Estado, privatizando a mesma e colocando os muitos milhões de euros que os trabalhadores e as trabalhadoras descontaram durante toda a sua vida no sector financeiro e na banca, para finalmente se poder jogar em bolsa as poupanças das pessoas.
Notícia jornal i
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1.º ) Maior desemprego significa menos gente a contribuir e representa menos dinheiro a chegar aos cofres da segurança social;
2.º) Maior desemprego significa mais gente a auferir da Segurança Social, ainda que muita gente já não tenha direito a nada embora tenham descontado durante décadas para a segurança social (e até objetivamente para o “fundo de desemprego”, como se chamou em tempos). Muitos desses trabalhadores nem acesso têm à reforma e também ninguém os quer para trabalhar (a não ser que sejam altamente qualificados), porque têm muita gente jovem disponível, com mais força, saúde (não precisam faltar tantas vezes para irem aos médicos ou fazer exames relacionados com a saúde) e melhor preparada para lidar com as novas tecnologias;
3º ) A redução da contribuição das entidades empregadoras representa menos dinheiro a chegar aos cofres da segurança social;
4.º) O auxilio ao pagamento dos salários dos jovens trabalhadores/estagiários ou outro qualquer incentivo pago pela segurança social nesta área às entidades patronais, seja a que título for, representa uma redução de dinheiro nos cofres da segurança social que transita para as entidades patronais, aumentando os seus lucos. Por este andar daqui a algum tempo são os trabalhadores que pagam os salários dos outros trabalhadores. Esse dinheiro deveria ser capitalizado para a segurança social e ser utilizado para o fim que foi criado. Será que os lucros das empresas para onde vão os subsídios da segurança social também são depois repartidos com ela (segurança social)?
5.º) A inclusão sucessiva de Fundos de Pensões de Empresas no OE, como aconteceu no último ano com a banca (e não foi caso inédito), faz entrar nesse ano dinheiro fresco no OE que não é aplicado para assegurar a sustentabilidade da segurança social mas para cobrir o défice do Orçamento do Estado, criado por má gestão sucessíva de políticos incompetentes. A parte odiosa vem depois, nos anos seguintes, em que as pensões atuais e futuras dos funcionários das Empresas cujos Fundos de Pensões foram tomados pelo Estado passam a representar despesas acrescidas a suportar pela Segurança Social e pelo seu já sobrecarregado Fundo de Pensões.
Como se vê tudo estava já previsto e até é fácil de entender.
Zé da Burra o Alentejano