Regresso aos Mercados III – A Vingança
Parece que agora de tempos a tempos o governo “regressa” aos mercados para colocar dívida pública, comemorando com champanhe e caviar cada um desses regressos, como comemorou na sede dos CTT, com tapete vermelho e traje de gala, a privatização dos correios. O governo está em modo festa, e por isso utiliza qualquer evento para celebrar, mesmo quando esse evento é catastrófico. Ontem o governo colocou mais três milhões de euros “no mercado”, a uma taxa de juro de 5,1% a 10 anos. Isso significa que para pagá-la, o país terá de crescer acima dos 5,1% nos próximos dez anos.
Foi com banalidades que o presidente do IGCP, a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública qualificou mais um “regresso aos mercados” como uma “uma operação muito bem-sucedida”, atribuindo o sucesso da operação com a “muita diversidade geográfica e principalmente colocada junto de investidores com interesse a médio e longo prazo na dívida portuguesa”. Moreira Rato, mais um dos membros do contingente Goldman Sachs no Governo Português, escusou-se a comentar que as taxas de juro atingidas, de 5,112%, significarão que para esta operação não aumentasse a dívida pública, o país teria de crescer próximo ou acima desta taxa durante os próximos 10 anos. Considerando que Portugal não tem um crescimento de 5% há pelo menos 30 anos, ou sequer próximo dele, e que as expectativas mais optimistas são, quanto muito, de que as recessões não se sucedam, a colocação de dívida pública em mercado livre (o que é uma noção uma pouco distorcida, uma vez que a operação foi mediada pelos bancos Barclays, BES, Citibank, Crédit Agricole e Société Générale, que receberão todos uma comissão pela colocação da dívida) apenas serviu para continuar a agravar a dívida pública. Mesmo segundo os critérios da troika, esta colocação de dívida é insustentável. O regresso aos mercados não é uma vitória, é uma vingança, e o preço a pagar por mais esta colocação de dívida pública significará apenas uma coisa, a de sempre: mais austeridade.
A propaganda é já a única forma de comunicação do governo. O governo desligou-se totalmente da realidade, tal como as pessoas se desligaram totalmente do governo. À apatia popular o governo responde com alucinação entre portas, revelando um mundo de casta em que o alheamento do que se passa na realidade é a única ferramenta de manutenção do status quo, de degradação contínua da sociedade, dos serviços públicos e da vida da população, de malas à porta ou já exilada para outras paragens.






