SÃO JORGE: Carteira vazia, à espera do toque da campainha
Jorge é um lutador de boxe desempregado, à beira de perder o seu filho e a sua esposa, que decidiu voltar para o Brasil. Como meio de pagar as suas próprias dívidas e convencer a esposa a permanecer em Portugal, Jorge aceita trabalhar para uma agência de cobrança de dívidas, que irá arrastá-lo para um mundo de violência e criminalidade.
Quando Jorge dobra a esquina, depois da mais angustiada dança, sabemos que não haverá solução. O filme de Marco Martins não tem pontos de fuga nem Nuno Lopes nos deixa respirar na pressão de um drama absoluto. São Jorge é um filme poderoso, onde o silêncio e a angústia do isolamento são as marcas de um regime de violência social baseado na dívida e na coerção do desemprego. A impunidade das empresas de cobrança como face visível de um poder económico predatório exige uma resposta que defenda as pessoas.
Em Portugal, as chamadas empresas de recuperação de crédito floresceram à sombra da troika e dos anos da crise. Aproveitando o limbo legal na matéria, muitas destas empresas usam métodos criminosos de assédio e pressão moral sobre as pessoas, como já havia denunciado a DECO – “As pessoas queixam-se que lhes telefonam para o local de trabalho, para os superiores hierárquicos, para familiares, vizinhos. É uma pressão constante. As pessoas sabem que estão em incumprimento o que as deixa debilitadas, vulneráveis”.
Um serviço que funciona como um verdadeiro mercado da dívida, onde créditos são comprados à banca, empresas e outras entidades para uma cobrança rápida e extra-judicial, onde o devedor está numa posição de isolamento e pressão permanente. A APERC – Associação Portuguesa de Empresas de Gestão e Recuperação de Créditos, batalha neste momento pela aprovação do diploma legal que legitime a ação violenta destas empresas. A Ordem dos Advogados, por sua vez, defende que a cobrança de dívidas apenas possa ser realizada por advogados e solicitadores.
Se o filme de Marco Martins nos mostra a dívida transformada num instrumento de controlo social em meio a um cenário de desemprego generalizado, a ausência do Estado no apoio a estes cidadãos e o regime de impunidade destas empresas de cobrança são as questões que exigem uma resposta coletiva. Em Portugal, ainda há milhares de trabalhadores e reformados que, tendo rendimentos baixíssimos, se vêm obrigados a viver com apenas dois terços do salário ou da reforma, estando o restante penhorado e capturado em benefício de empresas de crédito que, na maioria das vezes, cobram juros absurdamente altos e alimentam o efeito bola-de-neve da dívida familiar.
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