Saúde 24: Lutar para Ganhar

A luta que se desenrolou nas últimas semanas é um marco para o desenvolvimento da resistência ao modelo social da precarização e da ameaça permanente do desemprego. Perante a chantagem aberta pela concessionária da Linha Saúde 24 aos trabalhadores, a imposição da escolha entre a redução salarial ou o despedimento, a resposta foi avançar esta luta para a exigência de um contrato de trabalho. E a luta é para ganhar, como estão a provar as enfermeiras e enfermeiros da Saúde 24.

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Lutar contra gigantes sempre foi o desafio mais difícil, mas é esse mesmo o escolhido pelas pessoas que trabalham na Saúde 24, e por isso hoje afrontam-se com a Caixa Geral de Depósitos, com a Teleperformance, com a Optimus e com o Ministério da Saúde. E afrontam-nos sabendo bem ter a razão do seu lado, ter a justiça do seu lado e terem-se uns aos outros, lado a lado.

O caso é um dos mais típicos da história da precariedade no Trabalho, tão frequente que se encontra em qualquer call center em que se entra: empresa conhece trabalhador, empresa apaixona-se pela mais-valia que o trabalhador produz, empresa propõe um contrato ilegal ao trabalho que, perante a chantagem de um país em crise e como desemprego galopante a níveis históricos, trabalhador aceita. Depois aumenta a chantagem, com a empresa a impor um corte salarial de 20%, que poria muitos dos enfermeiros e enfermeiras a ganhar 4 euros / hora, e na Saúde 24 – como no país – há sempre a desculpa da crise. Havia crise há 10 anos, há 5 anos, no ano passado: “e por isso é que apesar de eu gostar tanto da tua mais-valia, não te vou dar um contrato mas sim um falso recibo verde”. E mantiveram-se os falsos recibos verdes desde o início das operações da Linha Saúde 24, mudando concessionário, mudando governos, expandindo a linha, ganhando reconhecimento entre os utentes e até organizações internacionais de saúde. Mas em Dezembro de 2013 quem trabalha na Saúde 24 disse “não”. Não aceitou ver o seu salário reduzido, não aceitou ser chantageado e tratado como um trapo, não aceitou a estratégia mais velha da chantagem no Trabalho: “ou assinas ou vais para a rua”. Não compactuou. E ao invés disso, preparou-se para defender o seu trabalho, a qualidade do trabalho que faz e o serviço que presta. Não aceitaria a desculpa da crise (sempre a mesma desculpa e sempre as mesmas tácticas) para baixar a cabeça e organizou-se. E em breve estavam todas e todos a assinar um outro papel, não escrito pela administração mas sim pelos trabalhadores, exigindo o fim da coacção e da imposição. E exigindo o que mais dói à empresa: os direitos. Fizeram uma queixa colectiva na Autoridade para as Condições do Trabalho por falsos recibos verdes e exigindo a celebração do contrato de trabalho que têm direito todas as pessoas que cumprem um horário, têm uma hierarquia, utilizam os materiais da empresa, têm um local de trabalho e uma remuneração fixa e periódica. E levaram o assunto a quem tem responsabilidades políticas por ele: Paulo Macedo. O Ministro da Saúde é responsável pelo funcionamento de todas as estruturas do Serviço Nacional de Saúde, e a Linha Saude 24 é uma delas. O ministério tem de garantir o cumprimento do contrato com a concessionária, mas todos, todos, têm de cumprir a Lei do Trabalho e essa lei diz que perante as condições acima descritas, tem que se ter um contrato de trabalho. E portanto o Ministério, a Direcção-Geral de Saúde do Dr. Francisco George, a LCS, a Caixa Geral de Depósitos, a Teleperformance e a Optimus têm de cumprir a lei e estes trabalhadores não só não podem ter os seus salários reduzidos, como têm de ter um contrato de trabalho.

Os gigantes tentam responder, ameaçam, ameaçam até despedir os 300 que se recusam a assinar a baixa de salários. Pressionarão a Autoridade para as Condições do Trabalho para que esta não inspeccione, para que retarde a inspecção, para que possam despedir pessoas impunemente, continuando a utilizar a ilegalidade como lei. Tentarão dividir, fraccionar, virar uns contra os outros, acusá-los de tudo o que imaginarem. Usam dos serviços de algumas das melhores agências de comunicação do país para fazê-lo. E fá-lo-ão. Mas nunca conseguirão tirar o que estas precárias e precários já conquistaram nestas semanas – a dignidade e a união na defesa do seu trabalho e do que ele significa não só para os outros, mas também para eles mesmos. As últimas semanas e o que tem feito quem trabalha na Linha Saúde 24 deve ser divulgado para fazer chegar a todo o lado a notícia de que sim, é possível. Que, perante a chantagem, perante a falsa escolha entre a precariedade e o desemprego é possível resistir, é possível lutar, é possível exigir mais. É possível não termos de aspirar apenas a migalhas, senão exigir uma fatia do bolo que cozinhamos todos os dias. E mais importante, porque esta história ainda vai a meio, é preciso dizer aquilo que mais faz tremer os gigantes: é possível ganhar. É para isso que lutaremos com eles.

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