Sobre a pobreza e o Salário Mínimo em Portugal

Nos últimos dias o despedimento a la carte tornou-se o centro do debate político. Porque o FMI e os patrões/capital o desejam no sapatinho do Pai Natal (desejo antigo), e porque esse é mais um dos instrumentos fundamentais para acabar com as bolsas de trabalhadores organizados e resistentes perante o ataque aos direitos e aos salários.

Nos últimos dias também se sucederam notícias de crueza absurda sobre a realidade de um país de pessoas pobres ou próximas de o serem:
  • A perda do poder de compra do salário mínimo, entre 1975 e 2005, chega a 8%. 
  • No distrito de Lisboa, de Coimbra ou de Faro, a população escolar carenciada a frequentar o 1.o ciclo e os jardins-de-infância representa quase metade dos alunos entre os três e os dez anos.
  • 4 em cada 10 crianças são pobres na maioria das cidades de Lisboa. 
  • 6 em cada 10 alunos das escolas da Amadora vêm de famílias pobres. 
  • Em Lisboa a pobreza atinge este ano 49% das crianças inscritas nas escolas primárias e na rede do pré-escolar.
  • Em Silves (Algarve) a população das escolas públicas representa 59% dos beneficiários de acção social
  • No Barreiro representam 65,9% dos pobres
  • Em Gondomar 58,4% dos apoiados pelos Estado.
  • 500 mil trabalhadores portugueses estão em risco de pobreza, ou seja, 12% da população activa portuguesa trabalha, mas apesar disso está em risco de pobreza e não ganha o suficiente para proporcionar uma vida condigna à sua família, designadamente aos seus descendentes.
  • 25% dos menores de 18 anos vive em situação de pobreza.
  • Portugal é um dos países mais assimétricos da Europa na distribuição de rendimentos: os 20% mais ricos ganham 6,1 vezes mais do que os 20% mais pobres. 
  • Em 2007, no conjunto dos 27 países da UE, só a Letónia era pior do que Portugal  na distribuição de rendimentos e ao nosso nível estavam a Roménia e a Bulgária
  • Agravando as baixas qualificações – ainda que no caso dos trabalhadores por conta de outrem sejam em média superiores às dos empregadores – soma-se o problema do elevado abandono escolar precoce: 35,4% em 2008, contra 14,9% da média europeia.
  • José Luís Fortes, presidente da Autoridade para as Condições do Trabalho , perante a possibilidade não se cumprir o acordo de subida do salário mínimo nacional, considera que nenhuma empresa terá o seu futuro em risco “resultante da subida do salário mínimo para 500 euros. Quem não puder pagar 500 euros a um trabalhador não sei se terá condições para estar no mercado.

Neste quadro de flagelo social concreto com que nos debatemos, os patrões, pelas vozes mais “responsáveis”, vai pressionando, ou melhor, comandando o governo para mais ataques. Fernando Ulrich, banqueiro presidente do BPI, veio afirmar que “o despedimento colectivo em Portugal é bastante fácil“, afirmando no entanto que o despedimento individual é difícil, e que se fosse agilizado, dos 7 500 trabalhadores, Ulrich “despediria apenas 10 ou 20 pessoas que em nada contribuem para o todo da instituição.” 
Será que 10 ou 20 pessoas têm um peso tão relevante para as contas do banco que levem a que Ulrich queira mudar a lei para as poder despedir? Claro que não. Só se fossem administradores ou tivessem salários como tal.
Nota retirada dos resultados consolidados do BPI de Janeiro a Setembro de 2010:
  • Lucro líquido consolidado de Janeiro a Setembro de 2010 de 144.7 M.€ subiu 10.8 relativamente aos 130.6 M.€ registados no período homólogo de 2009;
  • Margem financeira subiu 4.8%; 
  • Comissões subiram 4.4%;
Ulrich mente, e como sempre no que diz respeito ao patronato e ao capital, não prima por revelar as suas verdadeiras intenções. O que realmente pretende consiste em pressionar para baixo os salários e os direitos que ainda persistem justamente nalguns grupos de trabalhadores. De facto, em Portugal, é demasiado fácil despedir, senão vejamos:
  • Em 2009 entraram nos centros de emprego 690.300 novos desempregados 
  • Destes (690.300), 188,5 mil estavam nos quadros da empresa. No entanto, apenas 379 empresas recorreram ao despedimento colectivo em 2009 afastando 5522 pessoas.
  • Nos tribunais do trabalho entraram cerca de 19,2 mil casos comuns e desconhece-se quantos foram por impugnação do despedimento.
Assim, mais de 180 mil novos desempregados em 2009, estavam nos quadros de empresas, não foram despedidos através de despedimento colectivo, nem sequer conseguiram achar força legal para levar a empresa a tribunal. Ou seja, despedimento individual com recurso a formas de pressão labroal (modding) ou outras previstas no Código de Trabalho: 
  • PME que desaparecem e voltam a aparecer, em que os trabalhadores ficam “na rua”.
  • Já hoje o despedimento por “justa causa” abrange “desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo” ou “reduções anormais de produtividade do trabalhador”. Tudo a bem da produtividade das empresas e da economia (?).
  • Existe também o despedimento por inadaptação, que é aplicável a situações de “redução reiterada de produtividade ou de qualidade” ou em situações de quadros técnicos ou de direcção que “não tenham cumprido os objectivos previamente fixados e formalmente aceites, sendo determinado pelo modo de exercício de funções e desde que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”
Existe ainda o despedimento colectivo, que no caso de Portugal, permite o despedimento em quase todas as empresas de forma fácil e a la carte. Pode ser considerado despedimento colectivo:
  • o afastamento (a partir) de 2 trabalhadores nas micro e pequenas empresas
  • e de 5 nas médias e grandes empresas. 
O Ministério do Trabalho não tem levanta objecções de maior às justificações das empresas – que podem alegar retracção do mercado ou reestruturação, e previsões económicas negativas (como visto na Corticeira Amorim) entre outros.
A realidade comprova o flagelo de salários de miséria e do despedimento livre em Portugal. Tudo desde que seja do interesse de quem manda nas empresas, sejam patrões, accionistas ou os capatazes de serviço. As opções
que comandam a economia, o trabalho e a vida das pessoas que vivem e trabalham em Portugal são opções económicas, individuais ou corporativas, de quem manda e sabe que está impune do ponto de vista legal. As opções que contam são as de quem sabe que controla os governos e os media num país onde a justiça é quase inexistente.
Estamos dispostos a tudo para defender os direitos que ainda temos e faremos o que nos for possível para juntar mais trabalhadores, mais força, mais organização para enfrentar a máfia que reune de gravata e nunca soube o que eram dificuldades. Essas, pretendemos nós mostrar-lhes, assim que possível.
Estaremos na rua.
Ver:
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