Sócrates na RTP: a “crise” continua, a propaganda também

Sócrates teve hoje à noite, na RTP, uma hora de prime-time para explicar ao país as últimas decisões do Governo e as suas perspectivas para enfrentar a “crise”. O Primeiro-ministro, embora não conseguindo emendar o seu habitual estilo maquinal, apresentou uma estratégica humildade, para nos anunciar o que já sabíamos: a vida ainda vai piorar e o Governo não responderá com mais do que rebuçados. Sócrates não enfrenta os principais problemas do país, mas quer manter a mesma linha de comunicação para calar o descontentamento. A aposta é agora numa coragem recauchutada com umas pitadas de vitimização, porque alguém (pago para o efeito) lhe disse que a arrogância já tinha passado a validade mediática. “Só tive tempos difíceis na minha governação” é o soundbyte para o argumento da “adversa conjuntura internacional” e do “sectarismo” de quem ousar protestar. A campanha para 2009 já começou.

A entrevista correu bem a Sócrates. Nada de novo, sabemos que nisso ele é bom. E até trouxe na manga umas medidas para nos compensar o “esforço” dos últimos anos. O mesmo Governo que, por exemplo, rebentou com o arrendamento jovem e convive pacificamente com os lucros monumentais dos banqueiros e gangs anexos e as suas fugas continuadas ao fisco, vem agora anunciar o aumento das deduções fiscais no crédito à habitação e a redução do Imposto Municipal sobre Imóveis. É assim que Sócrates nos garante que faz o que pode “sempre que há margem”.

A recente revisão do Código do Trabalho também mereceu uns minutos do tempo de antena. Não é surpreendente, mas Sócrates insistiu no falso equilíbrio do novo pacote da exploração laboral. Saudou o “acordo” e, sem surpresas, acusou quem não concordou. E voltou a dizer que o Governo conseguiu os seus dois principais objectivos: “mais flexibilidade para a economia e um novo combate à precariedade”. São as duas faces da mesma moeda, porque “flexibilidade” não quer dizer outra coisa senão despedimentos facilitados e horários e carga de trabalho ao sabor da vontade do patrão; e “um novo combate à precariedade” são os rebuçados com que se está a legalizar e legitimar a precariedade. Mas esta insistência dá-nos a pista que precisamos para ter os pés assentes na terra: Sócrates sabe que a precariedade toca quase toda a gente e ele também já não pode fugir-lhe. Sócrates sabe bem que tem que falar para estes milhões. Milhões de pessoas que valem milhões a meia dúzia.

Tiago Gillot

Facebooktwitterredditlinkedintumblrmailby feather