SOS Racismo: Nova Lei de Imigração é um pacto anti-imigração

Publicamos aqui, na integra, a posição da associação SOS Racismo sobre a recém publicada nova lei da imigração:
«Foi hoje publicada, em Diário da República, a Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto que altera a Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. Esta alteração que contempla mais de 70 artigos e cerca de 19 aditamentos à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, representa um retrocesso no que concerne à protecção das liberdades e garantias fundamentais.

Aquando da discussão que antecedeu a sua aprovação, o Governo justificou, essencialmente, esta alteração com a necessidade de, entre outros, adequar o regime jurídico nacional sobre imigração com a normativa europeia na matéria, a introdução do estatuto de residente de longa duração, a criação de mecanismo de atração para imigrantes investidores e o reforço das sanções contra o trabalho clandestino.

Se a exposição de motivos para esta mudança tão radical se resumisse aos princípios aparentemente generosos invocados pelo Governo, não viria mal nenhum ao mundo! O problema é que não é de tudo assim e que, ainda por cima, esta nova lei de imigração se enquadra no espírito do tempo da diabolização, mercantilização e criminalização da imigração. A prova disso é que, de entre todas as directivas a transpor, as que mais enfoque e relevo tiveram na versão final da lei são exactamente aquelas mais restritivas e ameaçadoras dos direitos dos imigrantes, ou seja, a Directiva 2008/115 (Retorno) e a Directiva 2009/52 (Sanções). A Directiva do Retorno, conhecida como a da Vergonha e a Directiva Sanções consubstanciam ambas o espírito e a letra do Pacto Sarkozy que, não é senão uma caça ao imigrante e a consagração de uma estratégia política de criminalização da imigração.
Com esta nova lei o que prevalece é a caça ao imigrante irregular, independentemente da sua relação com o país, ou seja, a sua situação familiar, contributiva, isto é se paga ou não impostos e segurança social e o seu tempo de residência. Pior ainda, esta nova Lei não se limita a atacar os imigrantes indocumentados. Ela ataca direitos elementares de todos os imigrantes, como sejam, o direito à justiça e à defesa, o direito a viver em família, o direito à dignidade e à protecção da privacidade.
Os imigrantes, além de continuarem imputáveis penal e tributariamente, como qualquer cidadão nacional, trabalhando, pagando impostos e descontos na segurança social, cumprindo todos as obrigações, têm, na verdade, de estar sob o jugo de uma lei de excepção que permite que sejam detidos, expulsos em caso de estarem em situação irregular, mesmo que involutariamente.
A permanência irregular passa a ser um crime com moldura penal, as expulsões deixam de ser « reserva de juiz » como manda a Constituição e passam a ser um mero acto administrativo. A pena acessória de expulsão é revigorada e a prisão colectiva, ou seja, a detenção, sem culpa formada e num longo período de tempo, de um imigrante com todos os membros da sua família, incluindo crianças, passa a ser legal.
Para além da aberração jurídica que constituem a pena acessória de expulsão e a expulsão administrativa, a subversão do direito de recurso, negando, o efeito suspensivo e a criminalização dos afectos, é um dos traços nefastos desta nova lei. Mas as aberrações jurídicas vão mais longe porque, por exemplo, um imigrante que tenha sido condenado a uma pena de uma ano de prisão, perde o seu direito de residência! É caso para perguntar, se um cidadão nacional condenado por um qualquer delito ou crime também perde os
seus direitos?!!
Este diploma é a concretização da politica de elitização e de selectividade que participa de uma lógica de mercantilização da imigração, onde o imigrante, qualificado ou rico, tal como uma mercadoria chega a custo zero como chegam a maior parte das matérias primas. É o estender do tapete vermelho ao «imigrante rico» enquanto se usa o bastão com o «imigrante pobre».
O diploma vacila cinicamente entre a promoção da imigração qualificada e da «imigração circular». Mas como é sabido, a imigração circular é promoção da precariedade absoluta, porque ela consiste em fazer depender toda a vida do imigrante e a sua permanência de circunstâncias completamente subjectivas e dependentes de outrem e não da sua própria vontade.
É por esta e muitas outras razões que dizemos que a politica das quotas – que o governo autista e teimosamente continua a defender neste diploma – se revelou um embuste estratégico, pois nunca são preenchidas – não havendo nenhuma forma nem técnica nem legal de o fazer – , o trabalho clandestino vai prosseguindo porque, efectivamente, para os exploradores de mão de obra barata é mais lucrativo manter a clandestinidade jurídica do imigrante para, não só chantageá-lo mas também, para nivelar por baixo a relação contratual dos restantes trabalhadores.
O SOS Racismo opõe-se categoricamente a esta lei porque ela é o expoente máximo da discriminação institucional, da estigmatização social e racial, da criminalização e da perseguição dos imigrantes e, porque, também ela não responde ao essencial, ou seja, à regularização de todos os imigrantes indocumentados, e a garantia de igualdade de tratamentos perante a lei para todos, sejam eles cidadãos imigrantes ou nacionais.»

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