O Ministro Pedro Mota Soares fez aprovar ontem em Conselho de Ministros um Decreto de Lei que, de acordo com o que se pode ler no site do Ministério, vai “alargar a elegibilidade ao subsídio de desemprego a categorias claramente definidas de trabalhadores independentes, que prestam serviços regularmente a uma única empresa. Esta proposta terá em consideração os riscos de possíveis abusos e incluirá uma avaliação do impacto orçamental do alargamento das prestações em vários cenários, relativos aos critérios de elegibilidade (nomeadamente, o carácter involuntário do desemprego) e os requisitos para o aumento das contribuições para a segurança social por parte das empresas, que utilizem estes procedimentos.”
Ou seja, o Governo pretende assim passar a ideia que os falsos recibos verdes irão ter direito a subsídio de desemprego e que cumpriu o que estava estabelecido no acordo da troika, melhorando as condições de proteção social dos falsos trabalhadores independentes. Infelizmente, depois de analisar a proposta do Governo, os Precários Inflexíveis concluem que Pedro Mota Soares não esteve à altura da propaganda que criou ao longo de meses acerca desta matéria e voltou a levantar a suspeição concretizada dos “abusos” dos beneficiários das prestações sociais, mais uma vez (como no RSI), referindo-se a um dos sectores do trabalho mais fragilizados na sociedade portuguesa, os trabalhadores precários a falsos recibos verdes. Na verdade, a maneira como se define este subsídio de desemprego para falsos trabalhadores independentes é uma enorme fraude política.
Se não vejamos, o “subsídio por cessação de actividade” para os trabalhadores independentes só será atribuído se estes trabalhadores obtenham 80% do valor da atividade de uma única empresa e desde que a empresa pague os 5% de penalização contributiva por ter falsos recibos verdes e, para além disso, têm de provar que estão em situação de desemprego involuntário, ou seja, que foram despedidos da empresa. Mas nem as empresas quererão contribuir com 5% a mais para ter alguém a falsos recibos verdes, nem o trabalhador conseguirá provar sozinho que foi demitido.
Aliás, o Diário Económico afirma que a versão inicial do diploma refere que esta prova de desemprego involuntário implica “fim do vínculo contratual por caducidade, rescisão pelo trabalhador por falta de pagamento, rescisão pela empresa sem motivo justificativo e ainda redução, suspensão ou cessação da actividade da entidade contratante”.
Assim, esta lei, que ainda não foi conhecida na totalidade, peca já por dois grandes motivos:
1) Não vai permitir que a maioria dos falsos recibos verdes tenha acesso ao subsídio de desemprego, ou “subsídio por cessação de actividade”, porque não consegue provar “fim do vinculo contratual”, porque num recibo verde não há vinculo contratual;
2) Se o Ministério da Solidariedade e Segurança Social encontrou um sistema para diferenciar os falsos recibos verdes dos verdadeiros profissionais liberais, não tem alternativa senão apresentar medidas que façam com que a lei laboral seja cumprida e que os falsos recibos verdes tenham acesso a um contrato de trabalho e deixem de estar reféns de patrões sem escrúpulos. Sempre dissemos que seria hoje possível fazer esta diferenciação,depende apenas da vontade política. Esta lei, das mãos de Mota Soares, deixa de procurar justiça social e contributiva, e mantem os trabalhadores nas mãos de patrões deliquentes, impunes e irresponsáveis perante o trabalho, perante a Segurança Social e o país. É portanto uma escolha política de Mota Soares cumplice da ileglidade.
Mas os movimentos de trabalhadores precários não desistem da luta por contratos de trabalho para os falsos recibos verdes e não se deixam enredar na propaganda vazia do Ministro. Por isso, dia 12 de Janeiro apresentámos mais de 35 mil assinaturas na Lei contra a Precariedade.
Para memória futura relembramos o que diziam os documentos do Governo sobre esta matéria e concluímos com a constatação de que a montanha pariu um rato:
a) O memorando da troika dizia: “4.1.i. apresentar uma proposta para alargar a elegibilidade ao subsídio de desemprego a categorias claramente definidas de trabalhadores independentes, que prestam serviços regularmente a uma única empresa. Esta proposta terá em consideração os riscos de possíveis abusos e incluirá uma avaliação do impacto orçamental do alargamento das prestações em vários cenários, relativos aos critérios de elegibilidade nomeadamente, o carácter involuntário do desemprego) e os requisitos para o aumento das contribuições para a segurança social por parte das empresas, que utilizem estes procedimentos.”
b) O acordo assinado esta terça-feira na concertação social prometia: “Alargar a cobertura de desemprego a trabalhadores independentes com descontos para a Segurança Social, em situação de dependência económica de 80% ou mais para uma única empresa e com descontos para a Segurança Social que respeitem o período de garantia.”