Testemunho: "JÁ NÃO POSSO MAIS!"
Não ficamos indiferentes a um testemunho que nos chegou através dos comentários no blog, e decidimos assim publica-lo, porque pensamos que ilustra bem o paradoxo, a hipocrisia e a injustiça a que a situação chegou. A pessoa revela de forma explícita como os direitos foram e estão a ser negados às novas gerações conduzindo-as a ciclos consecutivos de desemprego – empregos precários mal remunerados – impossibilidade de aceder a qualquer tipo de subsídio. Aproveitamos assim, para informar à pessoa em questão, e todas as outras que estão em situações semelhantes, para aparecer na próxima reunião do PI, dia 27 de Fevereiro na LX Factory pelas 20h, e terem em atenção às duas próximas grandes iniciativas de rua no combate à precariedade: a manifestação dia 12 de Março e o MayDay.
Carrega em Ler mais para ler o testemunho…
Já Não Posso Mais!
“Sou uma jovem de 27 anos e comecei a trabalhar aos 16 anos. Já trabalhei numa sapataria, em lojas, numa parafarmácia e em call centers. Em todos estes trabalhos fui bem sucedida, visto ser, e citando colegas e chefes ‘uma pessoa inteligente, trabalhadora e atenciosa’. Claro que falta dizer que nunca deixei de estudar por isso, todos estes trabalhos foram em part-time e trabalhos de férias para ajudar a pagar os estudos: Licenciei-me com boa nota e concluí um Mestrado com melhor média ainda. E posso dizer que deu bastante trabalho. Acabado o mestrado consegui trabalho durante quase um ano como bolseira de investigação científica. Trabalho duro, para quem não sabe, pois além de exigir muito mentalmente, também é fisicamente exigente, tendo mesmo tido vários dias de trabalho de 13 horas, alguns fins de semana e ainda levava trabalho para casa (trabalho este sempre feito com vontade, sem nenhum queixume). Terminados os primeiros meses deste contracto foi renovado por mais 4 meses. Terminado este período deixou de haver dinheiro para renovar contracto e fiquei desempregada.
Sempre vivi em casa da minha mãe (que é mãe solteira e não é rica), e nos últimos meses fui ajudando com uma parte do meu ordenado (bolsa). Agora estou desempregada e não posso ajudá-la, em vez disso sou eu quem precisa de ajuda. Nunca tive direito a qualquer subsídio, nem de desemprego, pois como bolseira não tenho direito a nada disso. Nos anteriores trabalhos nunca tive acesso a um contracto superior a 6 meses, pelo que apesar de já ter descontado para a segurança social, nunca tive direito a subsídio de desemprego.
Procuro activamente trabalho, vou fazendo pequenos trabalhos mal pagos para me manter (dobrar circulares, etc). Tentei arranjar trabalho em lojas (não é um sonho, mas até as coisas se ‘endireitarem’) mas não consegui porque, apesar de ter alguma experiência, tenho ‘demasiadas qualificações’ e sou olhada com alguma reserva pelas gerentes e funcionárias. Nem para trabalhar nas limpezas me querem, mesmo sabendo eu limpar e passar a ferro (coisas que sempre fiz em casa desde os meus 13 anos). Entretanto fiz alguns pequenos cursos de formação profissional para adquirir novas competências. Fazer outra licenciatura está fora de questão porque não há dinheiro e, com esta idade eu preciso é de trabalhar para poder construir a minha vida! Não tenho carro (é uma despesa fixa que não posso pagar). Não posso casar. Não posso pedir um empréstimo. Até tenho ideias de negócio mas não me concedem empréstimo: não tenho bens nem fiador. Não posso ainda ser mãe.
Além de tudo isto e a contribuir para a minha revolta, sempre que vou a qualquer repartição pública vejo: pessoas (efectivas) que não trabalham bem, nem se esforçam por melhorar, atendem mal as pessoas e têm limitações a vários níveis. Não falam línguas, não percebem quase nada de informática, não se actualizam e, muitas vezes, nem percebem muito do que estão a fazer. Ora, posto isto… não quero ouvir comentários do género: ‘eles que se façam mas é à vida’… que ‘só por serem licenciados querem grandes empregos’, que ‘estes jovens não trabalham e só querem viver à custa dos pais’! Por mais que existam alguns jovens assim são, de facto, uma pequena minoria e tal argumento não deveria servir para ANIQUILAR UMA GERAÇÃO INTEIRA! Falam de pessoas que se fizeram uma licenciatura, se esforçaram de alguma maneira para ter uma vida condigna …uma VIDA À QUAL TÊM DIREITO… pessoas que se têm esforçado até então e nunca tiveram direito a nada! Não estamos a falar de pessoas que nunca quiseram fazer nada na vida, nem que se encostam a subsídios de inserção social ou de desemprego, que nunca se quiseram esforçar porque ‘estão bem como estão’. Toda a minha vida me esforcei (e vi a minha família esforçar-se), toda a minha vida trabalhei para poder vir a ter algo mais que ‘uma vida em casa da mãe’… em todos os trabalhos que fiz, fi-los o melhor possível, mesmo não gostando do que estava a fazer. Sou supostamente inteligente (com um QI de 151, querendo isto dizer o que quer que seja…) mas pelos vistos não sou é ESPERTA! Porque apesar de todo o esforço, nunca tive direito a nada! E ainda penso em ir trabalhar para fora. Mas até para isso tenho que primeiro arranjar um trabalho qualquer por cá para poupar algum dinheiro, para não ir sem nada – porque NADA é o que eu tenho!
Que país é este onde além de não haver um único governante confiável … ainda tenho de ver e ouvir comentários estúpidos de pessoas que vêm a realidade de uma forma deturpada, ora através de lindos óculos cor de rosa: ‘jovens façam mas é outra licenciatura, e outra, e mais outra…pode ser que acertem’; ora de alguém que certamente ocupa um cargo quentinho qualquer: ‘não tenho nenhuma formação em particular, terminei o meu 10º ano, arranjei um taxo e aqui fiquei…nem tive de me preocupar … e daqui vocês não me podem tirar…não é que eu seja muito bom profissional mas… tenho os meus direitos laborais de EFECTIVO’… enfim… Em suma, que país (e que gente) de merd*! … e não peço desculpa pela ‘indelicadeza’! Eu tenho direito a construir uma vida, tenho direito a ter um emprego condigno que me permita fazer planos a um prazo mais longo do que os 3 meses de um contracto num call center qualquer… tenho direito a poder ter a minha casa … tenho direito a poder ser mãe… tenho direito a poder VIVER! E são estes os direitos FUNDAMENTAIS que estão a negar a uma geração inteira! Já não posso mais. É TEMPO DE AGIR!”
by
Felizmente tenho pais que me podem ajudar, não estou em situação de aperto como o testemunho acima,
mas a mesma frustração ataca!
Tenho 26 anos, quero construir vida, arranjar casa, pensar em ter filhos… que são coisas biologicamente lógicas mas que ao mesmo tempo totalmente impossíveis.
Fiz licenciatura e mestrado, trabalhei durante o mestrado, supostamente, a part-time (porque é sempre supostamente). Sempre a falsos recibos verdes para uma instituição do estado!
Mas mesmo assim, dei o coração, braços, pernas e cabeça!
O problema foi que tive o infortúnio de me esquecer de fechar a actividade no final do ano anterior e paguei 6 meses de segurança social com juros(159 euros todos os meses) sem remuneração (a minha lógica dizia se não trabalho não ganho… não pago…. doida!) Passei os seguintes meses a ganhar pouco mais que 300 euros por mês e continuando a pagar o mensal que me cabia na Segurança Social! Basicamente a trabalhar para suprimir as minhas dívidas da primeira metade do ano!
No dia que soube que devia dinheiro, e que ia ganhar o que ia ganhar, perguntei ao senhor da tesouraria da SS se por acaso tinha direito a algum tipo de subsídio… obviamente me responderam que não! Na mesma altura atrás de mim um senhor gritava a perguntar pelo subsídio que lhe era devido, o mesmo senhor que pouco tempo antes escarnecera de meu pai dizendo “trabalhem trabalhem para eu ganhar o meu ao final do mês”.
A eles dão casa, apoios, palmadinhas nas costas coitados que sofrem de “racismo”. A nós não dão casas, não dão trabalho, sofremos de “geracionismo”, não ouvem, dizem que somos jovens e que somos malucos e que gostamos é da cerveja. Somos prepotentes que temos uma vida óptima! Temos tudo o que eles não tiveram. Temos telemóveis, Internet, MEO ou ZON. Que andamos calçados e que tomamos banho mais do que uma vez por semana! Temos comida, água e tecto. Temos estudos! O que pelos vistos não vale de muito, e não trás vantagem nenhuma – “Mas assim vais ganhar mais do que as empregadas de limpeza” ouvi um dia que fui pedir por um aumento, o que me faz entender que ter um curso não é sinónimo de nada.
Em suma, ando frustrada, chateada, o trabalho já não rende tanto porque desmotiva. Sou obrigada a responder a uma hierarquia, sou obrigada a atender pessoas e tenho horário de trabalho! E sou obrigada a levar para o local de trabalho o meu próprio computador. Mandam, desmandam, mamam, desmamam, fazem o que querem e o que não querem, porque sabem que preciso do pouco que me dão. Respondem-me torto e ainda me chamam de fraca.
Tenho de aceitar outros trabalhos por fora, não tenho tempo para mim, estou cansada, exausta, e tenho receio de cobrar mais por outros trabalhos porque não sei como vai ser o meu próximo ano e a segurança social poder aumentar e eu não poder poupar e eu voltar à estaca zero!
Aquilo que me pergunto é: Será que não há nada mais que possamos fazer?
Estou frustrada, nada faz sentido, nada tem lógica. Não percebo porquê… Não percebo porque não… Não faço ideia do que fazer mais!
Estou cansada… e não vejo a minha vida a andar para a frente…
Infelizmente sei o que isto é… e o que sentem.
Tenho 26 anos, acabei a minha licenciatura em 2008 sem nunca ter de ir a exame, não trabalhei enquanto estudei por opção dos meus pais que sempre me disseram que o meu trabalho era estudar.
No meu 1º ano de faculdade consegui um estágio de 1 mês (não remunerado), simplesmente enviando currículos por email e a entrevista foi por telefone, pensava que quando acaba-se o curso iria ser fácil encontrar emprego… Enganei-me…
No último ano da licenciatura, comecei a fazer planos, até porque já namorava há algum tempo, ele iria acabar ao mesmo tempo um curso técnico de delegado de informação médica (pago), que quando se inscreveu lhe disseram que no fim ajudavam a arranjar emprego (mentira…).
Desde 2008, eu já trabalhei 1 mês como administrativa e 6 meses na minha área (design gráfico), ele ainda vai arranjando alguns trabalhos mas todos temporários de 1 mês a 2 meses e só um de comercial +/- na área, que era a recibos verdes e o meteram fora mal a empresa começou a vir a baixo…
Eu, além de continuar a responder a anúncios, vou fazendo alguns trabalhos como freelancer (nada que dê mais que 100€ ou menos por mês) e ele está a tentar ir tirar um curso de mecânica para tentar depois abrir uma oficina para ele (está há quase 2 anos á espera de começar).
Sentimos que andamos a navegar meio sem rumo, queríamos já ter o nosso canto e começar a nossa família e não podemos… Depois só me apetece rir quando dizem que a taxa de natalidade está a descer…
Tenho amigas que foram para fora, talvez seja PARVA por cá ficar, mas este é o meu país, custa-me desistir dele…
Eu estou na mesma e sou mais velha (relativo ao primeiro texto). Se tem ideias de negócio, entao poderiamos debater isso conjuntamente, pois eu procuro pessoa para comecar um negócio. Mesmo que nao seja consigo que formarei um negócio, cada uma de nós desenvolverá melhor a ideia do seu negócio. Diga-me se concorda para entrarmos em contato.
Revejo-me em todos os testemunhos acima. Considero o estado como me sinto insuportável, irreal, indescritivel. Há dias que só apetece acabar com tudo. Mais uma vez o contracto acaba em Novembro e volto a viver o brutal pesadelo de que há anos me tentei livrar. Não consigo sequer descrever o que penso e sinto pois é demasiado agressivo para escrever aqui.