Testemunho :: precariedade na Kelly Services e no Grupo BES

Divulgamos de seguida o testemunho de um trabalhador temporário, precário como a maioria, que trabalha mediado pela Empresa de Trabalho Temporário Kelly Services, à qual já dedicámos um post (aqui), e para a empresa utilizadora Contact E.S. Center do grupo BES. Há já muito tempo que o Grupo BES descobriu a chantagem das ETT’s para impor a precariedade e os salários baixos. Vale a pena relembrar a invasão  dos Precários Inflexíveis ao Call Center do BES para convocar a Greve Geral de 24 de Novembro (aqui).

 « Boa tarde Precários!

Desde já queria-vos agradecer o facto de estarem a denunciar o negócio sujo das Empresas de Trabalho Temporário. É mesmo irónico, têm direito a roubar 50% do salário só porque sim. Hoje fala-se muito dos falsos recibos verdes, e possivelmente eles vão acabar. Mas já sabemos que eles não cessam uma forma de roubo, sem que antes não tenham já inventado outra. Acho que as ETT’s é já neste momento a melhor forma de roubar trabalhadores. Fica o desafio: Querem abrir uma ETT comigo? Não deve ser difícil, com um bocado de sorte ficariamos com metade do salário do Ricardo Salgado, Fernando Ulrich, Américo Amorim, Belmiro de Azevedo, e de todos esses ladrões que hoje mandam no nosso governo.

Não pude deixar de reparar no post que fizeram sobre a Kelly Services, ETT através da qual eu estou contratado, e como tal queria também deixar o meu testemunho.

A crítica é caustica, doutra forma não faria sentido. Afinal vem de alguém que sente na pele as agruras do que é ser a ‘‘mercadoria’’ negociada entre as empresas trabalho temporário, as empresas de callcenter prestadoras de serviços, e as empresas utilizadoras.
Já trabalhei para vários callcenters, sempre subcontratado através de Empresas de Trabalho Temporário. Em todos estes trabalhos que acumulei fui sempre remunerado com valores bastante aproximados do salário mínimo nacional em vigor à data das contratações.

Por isso custa-me ver a hipocrisia do presidente da CIP, António Saraiva, ou do ex-presidente Francisco Vanzeller, quando usam as empresas têxteis do Vale do Ave e as restantes PME’s como arma de arremesso nas negociações com o Governo para justificar o congelamento do salário mínimo nacional. A agenda deste senhores é outra, eles estão ali não para defender as PME’s, mas sim para defender os grandes grupos económicos que beneficiam em larga escala de um salário mínimo abaixo do limiar de sobrevivência. A CIP bem pode continuar a organizar colóquios sobre ética empresarial, nada lhes limpará a imagem de bandidos, que é o que são.

Como disse trabalho na Contact E.S. Center do grupo BES, e recebo o valor/hora equivalente ao salário mínimo nacional. Ganharia o salário mínimo se conseguisse trabalhar as 8 horas por dia, o que quase ninguém aguenta naquele inferno. Trabalho 4 horas por dia, trazendo para casa apenas metade so salário mínimo. Não esqueçamos que só nos primeiros nove meses de 2010 o BES teve lucros de 405,4 milhões de euros. Justifica-se que nos paguem apenas o salário mínimo? Eles aproveitam-se do facto das pessoas precisarem mesmo do dinheiro para roubar ao máximo. O que importa é maximizar os lucros. E menor fosse o salário mínimo, menos eles pagariam. A Kelly Services e a Contact bem me podem atirar areia aos olhos com o subsídio de alimentação, ou com os vales de compras que só podem ser descontados nos hipermercados dos amigos, que eu sei bem que esses valores não vão contar para calcular a minha reforma.
Outra coisa que me tenho apercebido, é que há muita gente na comunicação social a defender a flexibilidade laboral, mas na verdade o facto dos trabalhadores aqui terem contratos de trabalho temporário, faz com que tenham medo de reivindicar melhores condições. Quem fizer barulho é despedido, e rapidamente a Kelly arranja uma nova fornada para fazer formação. O que é que nós trabalhadores podemos fazer para denunciar esta situação? Se por exemplo quisermos fazer uma reunião entre os trabalhadores e os Precários Inflexíveis dentro da empresa a lei permite? De que forma é que podemos lutar contra esta situação? Se nós em conjunto resolvermos partir os computadores ou destruir os headsets, isto é uma forma de protesto válida? Quais as consequências legais que um acto destes poderia ter? Claro que é sempre complicado, por causa da situação que referi das pessoas estarem com contratos de trabalho temporário.

É também difícil juntar pessoas, porque trabalham naquele callcenter pessoas com objectivos diversificados, desde o puto que quer o bilhete para o festival de verão, até à mãe com dois filhos que deita as mãos à cabeça porque já não sabe como pagar as contas, e porque se calhar também já gostaria de estar a fazer um trabalho intelectualmente mais estimulante. Além disso ainda temos muita gente conformada, e que acha que aquilo é uma situação normal, juntando ao facto de haver poucas perspectivas de luta. Mas com o tempo havemos de dar a volta…

Há uns dias vocês publicaram um testemunho sobre as formações não remuneradas na PT. Aproveito para informar que na Contact Center a situação é igual. As pessoas vêm fazer uma semana de formação, e se não ficarem aprovadas não recebem nada. Basicamente trabalham de graça durante uma semana.

Edifício do BES onde ilegalmente muitos trabalhadores temporários prestam serviços permanentes – situação ilegal!

Trabalho há 2 anos na Contact Center sempre em regime de trabalho temporário, o que obviamente é ilegal, mas eles usam o estratagema de uma vez por ano mandarem as pessoas para casa, e passado um mês voltam a contratá-las. Mas há uma dúvida que tenho, não é completamente descarado a Kelly Services ter uma agência dentro do próprio edifício da Contact Center?
Isto é legal?
[relembramos que a mesma ETT tem também uma agência exclusiva para a PT] É que assumem às claras que recorrem ao regime de trabalho temporário para assegurar necessidades permanentes.

Para escrever este testemunho estive a reler o meu contrato de trabalho e encontrei uma coisas engraçadas. A alínea a) do nº2 do Artigo 186.º do Código do Trabalho obriga a que a empresa utilizadora (E. S. Contact Center) comunique à Empresa de Trabalho Temporário (Kelly Services) “Os resultados da avaliação dos riscos para segurança e saúde do trabalhador temporário inerentes ao posto de trabalho a que vai ser afecto(…)” No caso da E. S. Contact Center os riscos comunicados foram: “Fadiga visual; fadiga geral; irritação das vias respiratórias e pele; lesões musculo-esqueléticas por manutenção prolongada de postura; stress auditivo; stress-ansiedade; irritabilidade; dificuldade em dormir.” Desde logo é clara a contradição: O trabalhador fica exposto a variados riscos para a sua saúde, mas em troca,  recebe apenas o salário mínimo nacional.

É também curioso que numa altura em que tanto se fala de protecção de dados pessoais, a Kelly Services coloca nos contratos uma clausula em como pode vender os nossos dados pessoais a outras empresas. O que é que o trabalhador ganha com isso? Salário mínimo nacional. O que é que a Comissão de Protecção de dados tem a dizer sobre isto? Nada.

P.S. – Mando também uma imagem dos meus cartões, que comprova a veracidade deste testemunho. Aliás, qualquer trabalhador, ou a própria Kelly, ou até a Contact, sabem que tudo o que está escrito nestas linhas é a mais pura das verdades. Um dia ainda vão ser eles a sentir as agruras do que é que é ser uma ETT, uma empresa de call center, ou um banco… »

Mais informação:

279 ETT’s = dezenas de milhar de precários
I. Randstad – a maior ETT do país
II. Tempo Team –  um apêndice da Randstad
III. Adecco – Mais de 5 mil precários
IV. Flexilabor – Mais de 1/3 são telecomunicações
V. Flexitemp – tal como as outras ETT’s, não gera emprego
VI. Manpower – o “moderno” traço da precariedade
VII. Kelly Services – a descarada ilegalidade do trabalho temporário

Outros testemunhos:
Trabalhador da Tempo Team (telecomunicações 1)
Telecomunicações 2
Mais um nas telecomunicações 3

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