Testemunho: pressões e trabalho extra não pago na loja Stradivarius

Recebemos mais um testemunho de um trabalhador que foi vítima da impunidade com que as empresas do comércio a retalho atropelam os direitos. Este relato, que diz respeito à situação em 2009 numa loja Stradivarius (uma marca do gigante Inditex, um grande grupo internacional do retalho de roupa) de um dos principais centros comerciais de Lisboa, é mais uma confirmação da banalização de um esquema de sobre-exploração e precariedade no comércio, que já analisámos aqui. Transcrevemos abaixo integralmente o testemunho que agora recebemos (os negritos são originais) e apelamos a toda a gente que foi ou é vítima da precariedade no comércio para nos enviar mais relatos, porque é fundamental denunciar e dar a conhecer o que se está a passar no interior destas lojas, para que a pressão não esteja sempre só do lado dos trabalhadores e seja possível exigir os direitos que andam a ser roubados.

No dia 6 de Maio de 2009 assinei o contrato de trabalho com o grupo Inditex para trabalhar numa loja pertencente a este mesmo grupo: a Stradivarius. Como me encontrava a terminar a licenciatura ia cumprir um horário part-time de 5 horas com uma folga fixa e uma folga rotativa aos fins-de-semana com um salário fixo de 225€ com um acréscimo de eventuais comissões.
Quando se inicia uma actividade assina-se imediatamente algo que comprove que se presta ali serviço, algo que não aconteceu comigo: estive 15 dias à experiência, sem qualquer contrato de formação.
No que concerne à tarefa em si, competia-me arrumação e organização de loja, controlo dos provadores mas um dos encarregados achava pró-activamente que aquando de assaltos à loja eu e as minhas colegas teríamos de abandonar o nosso posto e perseguir o assaltante sozinhas. Idas à casa-de-banho eram muito mal vistas bem como pausas: trabalhava sempre 5 horas seguidas (que é proibido por lei), no mesmo sítio a dobrar roupa ou no controlo do guarda roupa e se quisesse fazer pausa teria de entrar 15 minutos mais cedo para não afectar o rendimento.

As instalações para os colaboradores de loja resumiam-se ao armazém da roupa onde podíamos aquecer a comida num microondas (ao pé da roupa e calçado). A troca de roupa para a farda caso não viéssemos vestidas de casa seria também feita no armazém muitas vezes na presença de um encarregado de loja (indivíduo do sexo masculino) que mesmo alheado da nossa presença não saía para que existisse algo semelhante à privacidade.
Para terminar, nunca saía a horas: entrava às 15h mas nunca saía às 20h: saía às 20h30, 21h, excedentes estes que não eram pagos bem como também não eram convertidos em horas extra.
Farta deste triste cenário despedi-me. Trabalhei um total aproximado de 20/25 dias na Stradivarius. No final do mês pagaram-me 50€. Depois desta experiência aconteceu-me o mesmo que muitos de vós: só consegui lugar num call-center.

J.S.Q.

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