Uma nova personagem entra no teatro: o estagiário | Dia Mundial do Teatro | Opinião Amarílis Felizes
A longa história do subfinanciamento do teatro, trágica para o país mas aparentemente irrelevante para governo, tem sido muitas vezes dramática para quem trabalha. Embora seja comum que aqui o trabalho se misture com a paixão, como aliás devia acontecer sempre, a precariedade e a injustiça laborais são tão condenáveis como em qualquer outra atividade profissional.
A paixão e o entusiasmo também se fortalecem com alimento, descanso e felicidade.
Neste dia mundial do Teatro quero contar-vos a história de uma personagem que entrou agora mesmo em cena – o estagiário do programa do IEFP.
A condenação deste programa nos casos das empresas com lucros e que não prestam serviço público já foi bem discutida inclusivamente neste site, mas não é tão fácil condenar o mesmo programa quando estão em causa outro tipo de instituições.
No caso do Teatro, este programa surge como um pequenino oásis no deserto que é o investimento público em cultura. O financiamento para o teatro é tão insignificante, que acho que este programa de estágios acaba por ter um peso importante no sector. A míngua é transversal: nos grandes e pequenos teatros, nas estruturas com mais de 30 ou 40 anos ou nas companhias mais recentes, apesar do desdobramento de funções (às vezes parece que de vidas) pela maior parte dos trabalhadores, é muito difícil alargar equipas.
É neste contexto que o programa de estágios do IEFP parece maravilhoso. Como aliás já tinha assim parecido a quem acaba o curso e começa a procurar trabalho.
O estagiário aprende, a estrutura ganha, partilham-se o entusiasmo e a paixão e tudo continua maravilhoso.
Passados uns meses, e apesar das tarefas se multiplicarem, as estruturas já sabem que à partida não terão orçamento para manter aquela pessoa, ou seja, serão raras as vezes em que o estagiário permanece e tem espaço para evoluir.
Afinal, ao fim dos 9 meses o bebé não vai nascer.
Os que ficam vão querer continuar a trabalhar com quem partilharam o modo de trabalho e a paixão, mas não estarão dispostos a abdicar de quase tudo para isso.
Na cabeça de quem sai pairará uma ideia muito estranha: “Já gastei o meu estágio”. Os projetos começam a alimentar a paixão mas depois pensa-se na renda para pagar. Passados os 9 meses lá estão eles sentados em frente ao computador a escrever um e-mail que os possa salvar e depois vão contar os trocos para saber se conseguem ir ao teatro nessa noite – já não têm desconto de profissional do espetáculo nem de estudante.
Não seria melhor esta parte do montante gasto no programa de estágios ser investida diretamente no financiamento às estruturas culturais para criarem os postos de trabalho que são tão necessários?
Ser aprendiz não tem nada de errado, muito menos a ideia de aprender durante a vida toda, mas que mundo é este em o estatuto de aprendiz (sub remuneração incluída) dura para sempre?
Amarílis Felizes
by