"Vantagens de um estágio não remunerado" – Carta ao Director do Expresso, Ricardo Costa
Segue carta enviada pela Direcção da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, ao Director do Expresso, Ricardo Costa, com conhecimento para os directores-adjuntos João Garcia, João Vieira Pereira e Miguel Cadete. A Associação de Combate à Precariedade solicita a publicação deste texto no Expresso, em resposta ao artigo publicado na segunda-feira passada “Vantagens de um estágio não remunerado”.
Exmo. Sr. Director do Expresso, Ricardo Costa
A Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, vem por este meio solicitar a publicação de resposta ao artigo da passada 2ª feira, 28 de Outubro, intitulado “Vantagens de um estágio não remunerado”, assinado por Maria Martins. Além de problemas de vária ordem no artigo, destacamos que os estágios não remunerados não curriculares são ilegais.
A Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, questiona a oportunidade editorial deste artigo, numa altura em que a taxa de desemprego no país está próxima dos mais elevados níveis de sempre, em que a emigração leva à saída de aproximadamente 10 mil pessoas do país a cada mês (principalmente jovens com formação) e em que os níveis de precarização da força de trabalho estão num máximo histórico desde que vivemos em Democracia (o somatório de precários e desempregados já perfaz mais de 55% de toda a população activa). Este artigo faz, propositada ou inadvertidamente, a apologia do trabalho gratuito, pressiona toda massa laboral (e não apenas os potenciais “estagiários” não remunerados) para os baixos salários e para a aceitação da informalidade como forma de relação laboral. Actualmente o desemprego jovem atinge mais de 40% das pessoas com menos de 25 anos. Neste contexto, a apologia dos estágios não remunerados parece ser uma provocação a uma sociedade e a uma camada etária específica em dificuldades extremas.
Não aparecendo este texto como um artigo de opinião, devemos concluir que expressa conclusões de alguma espécie de trabalho jornalístico. Assim sendo, disputamos conclusões como afirmar que um estágio não remunerado pode “torná-lo mais responsável”, “melhora a sua imagem” ou “pode valer-lhe um emprego”. As estatísticas existentes acerca de estágios indicam, pelo contrário, que após a conclusão dos estágios o desemprego é o fim mais comum. Mesmo no que diz respeito a estágios remunerados, a quantidade de estagiários desempregados com acesso a subsídio de desemprego é inferior a 20%. A aceitação de entrada no mundo do trabalho com condições precárias tende a manter esta situação durante muitos anos, e não o contrário, como preconiza este artigo do Expresso.
Finalmente, a Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, gostaria de referir a importante luta levada a cabo por muitas organizações e movimentos na década passada para acabar com os estágios não remunerados. Em 2008, na concertação social foi acordada a proibição dos estágios extra-curriculares não remunerados. E em 2011 os estágios não remunerados foram proibidos. Nesse sentido alertamos a Direcção e a Edição do Expresso de que os estágios não remunerados são ilegais, uma batalha para a qual a nossa associação, enquanto movimento, muito contribuiu. O Decreto-Lei nº 66/2011, de 1 de Junho, “estabelece a obrigatoriedade da redução a escrito do contrato de estágio, do qual devem constar, nomeadamente, o valor do subsídio de estágio, o seu período de duração, a identificação da área em que o estágio se desenvolve e as funções ou tarefas que estão atribuídas ao estagiário, o seu local de realização e os tempos de realização das actividades do estágio. Por outro lado, é de salientar a obrigação de ser atribuído ao estagiário um subsídio de estágio, cujo valor tem como limite mínimo o valor correspondente ao indexante dos apoios sociais [419,22€]”.
Seguros de que o critério editorial do Expresso exclui a promoção de formas de trabalho ilegais, deixamos o nosso reparo para rectificação atempada.
Melhores cumprimentos,
A Direcção da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis
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e como resolver a questão do “voluntariado”?