Vital Moreira e Bruno Maçães, mentiras pelo Tratado Transatlântico

No mais recente artigo em defesa do TTIP, Parceria Transatlântica de Comércio de Investimento, Vital Moreira, Bruno Maçães e João Vale de Almeida continuam a sua defesa inabalável do Tratado Transatlântico, nem que isso implique deturpar os dados existentes sobre o tratado e ignorar os próprios estudos que se citam. O artigo é “Portugal, um vencedor na Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento”, de Luísa Meireles, e foi publicado pelo Expresso. Onde está escrito competitividade, exportações, internacionalização, deve-se ler reduções salariais, precariedade e desemprego.

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O referido artigo, baseando-se nas afirmações do Secretário de Estado dos Assuntos Europeus Bruno Maçães, do ex-eurodeputado Vital Moreira e do ex-embaixador da União Europeia em Washington, João Vale de Almeida, referindo-se ao estudo “A Fresh Start for TTIP”do Conselho Europeu para as Relações Exteriores (ECFR), reforça uma posição que não é de todo maioritária na sociedade europeia e contamina o debate a nível de Portugal, apresentando uma perspectiva enviesada deste tratado internacional de comércio. Além disso, o documento citado é amplamente ignorado, nos seus pressupostos, cenários e propostas, que referiremos.

Como o documento do ECFR refere, haverá vencedores e perdedores neste acordo, e há elevada resistência ao mesmo em vários países europeus, nomeadamente na Alemanha, França e Reino Unido. Existe neste momento uma iniciativa legislativa cidadã contra a Parceria Transatlântica (ou TTIP, sigla pela qual é mais conhecida), que já conta com mais de 1 milhão e 600 mil assinaturas recolhidas em 26 países da União Europeia.

O efeito macroeconómico do acordo na UE é, na melhor das hipóteses, modesto, como refere o instituto francês CEPII que aponta entre 0,2 e o,3% de subida do PIB no longo prazo. O CEPR, do Reino Unido, aponta para uma subida de 0,1 a 0,5% do PIB até 2027. Esta subida de PIB seria então distribuída entre vencedores e derrotados, não só a nível de países como a nível de determinados sectores: a indústria automóvel europeia teria muito a ganhar, enquanto a maquinaria eléctrica e produtos metálicos teria muito a perder. Usando a enganosa citação de Bruno Maçães, a Estónia, Portugal e a Dinamarca teriam a ganhar, a França, a Grécia e a Eslovénia a perder. Mas como autores do estudo reconhecem, há muito mais no tratado do que estas contas directas e por exemplo, o impacto do TTIP no comércio depende também da quantidade de PMEs existentes em cada economia, tendendo a beneficiar principalmente as grandes empresas em desfavor das outras. E nesse sentido, Portugal teria muito a perder, devido à sua estrutura económica empresarial.

A grande oposição social ao acordo leva os autores do relatório a sugerirem que se retirem as cláusulas mais polémicas do TTIP como a “normalização dos padrões e reconhecimento mútuo de procedimentos”, que Vital Moreira refere como fundamentais. O relatório chega mesmo ao ponto de sugerir um acordo que se baseie em pouco mais do que a abolição de tarifas. Ora, a questão é mesmo essa: o acordo comercial defendido pelos citados no artigo ultrapassa amplamente o comércio e introduz-se directamente no processo democrático e nas legislações nacionais, introduzindo factores de mercantilização explícitos em sectores como a Saúde, a Educação, o Ambiente ou a Segurança Alimentar, isto é, no Estado Social, e na Finança que entrarão, segundo a discussão até ao momento, numa rota de convergência para a desregulamentação total. O relatório refere que é essencial que os serviços públicos sejam expostos à competição (isto é, à possibilidade de privatização, concessão e concorrência) dentro da Europa e dos Estados Unidos, e que não introduzir estes factores, assim como as cláusulas de salvaguarda do investimento privado, coloca a UE numa posição negocial fraca.

Um estudo da Austrian Foundation for Development Research descreve como a desregulamentação é mesmo o objectivo do TTIP, uma vez que cerca de 80% dos ganhos preconizados no tratado vêm não da eliminação de tarifas, mas sim da alteração de leis, da regulamentação e de padrões de saúde, ambientais, etc.. Estes ganhos provocarão um perda de bem-estar para a sociedade, na medida que estas alterações ameaçam as políticas públicas (segurança dos consumidores, saúde pública, saúde ambiental). Estima um ganho de PIB anual de 0,03 a 0,13% ao longo de 20 anos, com a perda de 1 milhão e trezentos mil empregos ao longo deste período, isto é, perdendo-se 65 a 130 mil empregos por ano, com todos os custos que isto implica. Um trabalho da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, sobre o TTIP, destaca que o mesmo terá o efeito de acelerar a desintegração europeia ao afectar muito negativamente o seu comércio interno, ao mesmo tempo que aumentará o desemprego e a desigualdade entre os países (algo que coincide com o relatório do ECFR). Estima uma perda de 600 mil postos de trabalho na União Europeia, com foco nos países nórdicos, na Alemanha, em França e nos países do Sul. Devido à expansão/abertura do comércio nos sectores do Estado Social na UE, o TTIP levará a uma perda das receitas dos estados, aumentando os défices orçamentais, aumentando a instabilidade financeira e acumulação de desequilíbrios estruturais dentro da UE. Com a redução de rendimentos do trabalho, haverá necessariamente redução do consumo e volta-se a repetir toda a estratégia económica de destruição que foi a política de austeridade nos últimos anos na Europa.

Voltando ao estudo citado no artigo, apesar de apontar crescimento económico, não refere a criação de emprego, pelo que estaremos na melhor das hipóteses a assistir a mais um fenómeno de crescimento sem emprego, algo que apenas pode agravar as desigualdades dentro da UE e dentro de cada país. É aliás coerente com a proposta de criação de subsídio de desemprego na União Europeia defendida por Bruno Maçães, que estaria sempre associada à “normalização” do mercado de Trabalho dentro da União Europeia, ou seja, à precarização generalizada e a um aumento do desemprego.

O TTIP é visto como outro projecto neoliberal que acelerará a corrida para o precipício nos padrões ambientais, de saúde e sociais, comercializará os serviços públicos por toda a Europa, coagirá os órgãos democráticos na União Europeia e aumentará em geral os efeitos negativos da globalização. Os seus críticos veêm-no como liderado pelas grandes empresas, grandes corporações de dados e fundos de investimento. Apontam para o envolvimento das grandes organizações de empresas na preparação das negociações, a extensa participação da indústria nas consultas dos dois lados do Atlântico e a falta de transparência” – é desta forma que o relatório do ECFR elenca a oposição ao mesmo, e está correcto. A defesa dos investidores em prejuízo dos estados é a pedra de toque do tratado como mecanismo do tratado que implica que a resolução de problemas com os retornos económicos dos investidores seja resolvida fora da justiça (ISDS), em processos vedados ao público, nos quais não há recurso e para os quais apenas as grandes empresas têm a experiência e o capital para empatar. Esta arbitragem público-privada representa de facto um golpe contra a democracia, ultrapassada e vendida por quem possua os meios para isso.

Finalmente, o relatório citado por Bruno Maçães reconhece que a esmagadora pressão social contra o TTIP tem levado os seus defensores a escudarem-se em duas justificações: na geoestratégia para justificar um tratado internacional tão prejudicial aos europeus, acenando com os fantasmas históricos da Rússia e da China, contra os quais haveria que apresentar uma frente unida União Europeia – Estados Unidos; e na necessidade de avançar com este tratado antes dos Estados Unidos assinarem a Parceria Transpacífica, com os países asiáticos. Ora, o que o TTIP parece estar a criar é, em vez de unidade transatlântica, uma divisão transatlântica.

Perante a percepção popular clara daquilo que é o tratado, uma das principais recomendações do relatório referido por Maçães é que a União Europeia feche um acordo sobre tarifas alfandegárias, isto é, um acordo sobre comércio, abandonando as vertentes políticas do tratado, como sejam a defesa dos investidores ou a abertura dos serviços públicos à concorrência transatlântica.

Portugal não será um vencedor na Parceria Transatlântica. Ela preconiza apenas o agravar da situação actual no país: precariedade, desemprego e baixos salários, privatização e desmantelamento dos serviços públicos. Na verdade, o TTIP apresenta-se como uma nova versão, mais ampla, da austeridade que faz parte do nosso dia-a-dia há anos e que, como o TTIP, enche a boca para falar de competitividade, exportações, internacionalização e concorrência, quando a tradução destas palavras para a realidade se materializa em reduções salariais, perda de qualidade de vida, precariedade e desemprego. Nada temos a ganhar com este acordo, mas temos muitíssimo a perder.

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