Perguntas e Respostas

  • Quem são os/as bolseiros/as?
  • Porque é que um bolseiro é precário?
  • Porquê exigir um contrato de trabalho?
  • O que é o Seguro Social Voluntário? Porque o devo pagar?
  • Porque é que os bolseiros não pagam IRS? Em que é que isso os prejudica?
  • Quais são os actuais direitos dos bolseiros?
  • Quais são os actuais deveres dos bolseiros?

Quem são os/as bolseiros/as?

Os/as bolseiros/as são indivíduos que se candidatam a financiamento, para usufruir de uma bolsa como subsídio mensal pela função que exercem diariamente, independentemente de quem a atribui (FCT, empresas, instituições, etc). Essa bolsa pode tomar várias formas (Capítulo II do regulamento das BIs, FCT) mas normalmente as condições base são idênticas.

Hoje em dia são responsáveis e asseguram cerca de 80% da investigação e produção científica nacional, integrando projectos e centros de investigação sem direito a um contrato de trabalho.

É um grupo heterogéneo do ponto de vista etário, nível de formação e fase da vida, dado que o recurso a bolsas é utilizado para muitas funções diferentes, às vezes até encobrindo as reais funções desempenhadas, e por isso utilizadas ilegalmente, para suprir necessidades de trabalho permanente (não estando associadas a projectos de investigação).

Porque é que um bolseiro é precário?

Definição do dicionário Priberam de Língua Portuguesa:

Precário, adj.

1. Inseguro, não estável.

2. Pobre; difícil; minguado; estreito.

3. Frágil; débil; delicado.

4. [Jurídico, Jurisprudência]  Que não é nosso, que se possui por mercê ou empréstimo.

s. m.

5. Indivíduo sem vínculo de trabalho permanente.”

Os bolseiros estão particularmente desprotegidos dado que vivem com contratos de bolsa a 3, 6 ou 12 meses, gerando uma instabilidade enorme. Não têm direito a subsídio de desemprego, férias ou 13º mês, e a protecção social através da segurança social a que têm direito é extremamente limitada. São precários porque o seu trabalho não é reconhecido como tal e, logo, não têm acesso a um contrato de trabalho com direitos.

O Artigo 12.º do Código de Trabalho, define as condições necessárias para as pessoas terem direito a um contrato de trabalho:

Presunção de contrato de trabalho

1 – Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

2 – Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.

3 – Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos.

4 – Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º”

Como a definição legal pode ser considerada é vaga (“se verifiquem algumas das seguintes características”), depende de juiz para juiz o entendimento do número de condições de necessárias para que se defenda que um trabalhador tem direito a um contrato de trabalho, normalmente variando entre duas a três. Analisando este artigo do Código de Trabalho, é fácil verificar que pelo menos três das condições se verificam para a larga maioria dos bolseiros de investigação. A criação do estatuto de Bolseiro de Investigação Científica acabou por ser um escape legal que faz com que os bolseiros não sejam considerados como trabalhadores e, logo, vivam numa condição de precariedade, sendo usados como mão de obra altamente qualificada e barata.

Porquê exigir um contrato de trabalho?

Se o primeiro ano de uma bolsa de doutoramento é de aprofundamento dos estudos e de preparação para os seguintes anos de desenvolvimento de uma temática, a partir daí um bolseiro de investigação começa a produzir conhecimento científico. Mais de 80% dos artigos científicos publicados têm como autor um bolseiro de investigação. Este dado demonstra claramente a importância do trabalho dos bolseiros para a evolução da ciência. Perante esta evidência, a Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis defende que, tal como acontece em Espanha, a partir do primeiro ano de doutoramento, nos pós-doutoramentos e bolseiros associados a projectos de Investigação Científica, os bolseiros de investigação tenham acesso a um contrato de trabalho, com todos os direitos.

Com um contrato de trabalho, os bolseiros passam a ter direito a subsídios de férias e de desemprego, a protecção na doença (actualmente dependente de descontarem ou não para o seguro social voluntário) e a ser incluídos na segurança social de forma a descontar para a reforma em relação ao valor realmente auferido. Passam também a ter direito a fazer greve e a ter subsídio de maternidade e de paternidade, independentemente da instituição para a qual trabalham.

Para combater a fuga de cérebros é necessário trocar a precariedade pelos direitos laborais e por uma possibilidade de progressão na carreira.

O que é o Seguro Social Voluntário? Porque o devo pagar?

O Seguro Social Voluntário (SSV) é o regime opcional de protecção social alargada para pessoas que prestam serviços “reconhecidos” pela sociedade (normalmente disponível para quem presta voluntariado para associações cívicas), que contempla o acesso a este por parte dos bolseiros de investigação.

Atualmente o novo Estatuto do Bolseiro de Investigação continua a não reconhecer vínculos de natureza jurídico-laboral nem de prestação de serviços, e por isso o bolseiro pode pagar o seu próprio Seguro Social Voluntário para ter uma carreira contributiva, e ser reembolsado de parte do montante descontado. Este pagamento não é proporcional ao vencimento real dos bolseiros (como o seria caso fossem considerados trabalhadores por conta de outrem), mas apenas a uma percentagem do primeiro escalão da base de incidência (actualmente a 27,5% do Indexante do Apoio Social (IAS), que desde 2009 está fixado em 419.22€). Desta forma, os bolseiros são fortemente prejudicados na sua carreira contributiva, com o não reconhecimento da sua relação laboral.

Dada a ausência de uma carreira de investigação e a consequente sucessão de bolsas a que um investigador é sujeito quando quer prosseguir a sua vida profissional na investigação, é importante descontar o SSV enquanto se é bolseiro pois o reconhecimento da sua condição de trabalhador (com o acesso a um contrato com direitos) chega muitas vezes tarde, retardando assim os seus descontos para o estado social que defendemos e que nos permite o acesso aos serviços públicos, que nos deve proteger em caso de desemprego, doença, parentalidade, etc.

Porque é que os bolseiros não pagam IRS? Em que é que isso os prejudica?

Os bolseiros não pagam IRS pois, a bolsa de que usufruem é considerada um subsídio e não uma avença mensal. Isto advém do não reconhecimento da relação laboral enquanto trabalhadores e por isso não estão abrangidos pelos mesmos descontos de um trabalhador por conta de outrem. Na verdade, enquanto a situação de bolseiro se mantiver, com toda a ausência de reconhecimento de outros direitos, é contraproducente pensar-se no “dever” de pagar impostos (como este governo pensou em Abril de 2012).

Esta questão não é desprezível uma vez que a ausência da entrega de declarações de IRS nos impede de aceder p.e. a crédito habitação ou outros serviços que necessitem da prestação de rendimentos que no nosso caso não são colectáveis.

Quais são os actuais direitos dos bolseiros?

Receber uma bolsa mensal

Os bolseiros têm o direito de receber pontualmente o financiamento. Este direito nem sempre é respeitado pela FCT. Em Junho de 2012, poucas semanas depois de garantir nos meios de comunicação que a situação na FCT estava regularizada, Miguel Seabra, Presidente da FCT, enviou um e-mail a todos os bolseiros, avisando-os de que nesse mês receberiam com um atraso de 6 dias.

Descontar para o Seguro Social Voluntário (SSV)

Apenas os bolseiros com bolsas de duração superior a 6 meses têm o direito a fazer descontos para a Segurança Social. Estes descontos são restituídos proporcionalmente ao primeiro escalão, pela entidade financiadora ao bolseiro, por vezes com o atraso de vários meses. Os bolseiros com bolsas de duração inferior, não têm qualquer tipo de protecção laboral.

Mesmo os bolseiros que fazem os descontos para o SSV, têm a sua carreira contributiva enormemente prejudicada. (Para mais informações sobre este tema, lê “O que é Seguro Social Voluntário? Porque o devo pagar?”)

O SSV cobre o bolseiro no caso de invalidez, velhice, morte, parentalidade, doença e doenças profissionais (a protecção na doença é definida como para os trabalhadores independentes).

Os bolseiros não têm direito a qualquer protecção no desemprego.

Seguro contra acidentes pessoais

Os bolseiros têm o direito a um seguro contra acidentes pessoais, incluindo as deslocações ao estrangeiro, oferecido pela entidade de acolhimento ou financiadora.

Apoio na parentalidade

Os bolseiros têm direito a suspender a bolsa por motivo de parentalidade (maternidade, paternidade ou adopção). Quando comunicado à FCT essa intenção, e caso o estatuto da entidade de acolhimento o permita, poderá usufruir de 4 meses (5 meses se preferir receber 80% do valor mensal da bolsa) de bolsa, sendo que no caso de projectos de investigação terá de ser analisado em detalhe, dependendo da data de término do projecto. No entanto, no caso dos bolseiros de Doutoramento, esta suspensão pode não ser acompanhada pela suspensão de pagamento das propinas e a FCT não paga mais do que os 4 anos de propina estipulados no contrato de bolsa de Doutoramento.

Apoio na doença

Os bolseirospodem suspender a bolsa por doença, se justificada por atestado médico ou declaração de doença passada por algum estabelecimento hospitalar.

Férias

Como os bolseiros não são considerados trabalhadores, não têm direito a dias de férias, mas sim de “descanso”. Os bolseiros têm direito a um máximo de 22 dias úteis por ano civil.

Contagem de tempo

Os bolseiros que tenham suspendido o seu contrato de trabalho durante o período da bolsa, têm ainda direito à contagem do tempo durante o período da bolsa, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço efetivo.

Direito a dar aulas

Os bolseiros de pós-doutoramento podem dar aulas até 4 horas semanais de aulas a alunos de doutoramento, desde que a matéria esteja relacionada com o seu plano de trabalho e não estejam a suprir nenhuma necessidade permanente da instituição.

Como a função pública há vários anos que não pode contratar novo pessoal e vários professores universitários se reformaram entretanto, sabemos que estas condições, na maioria dos casos, não estão a ser cumpridas, e os bolseiros estão, de facto, a garantir várias cadeiras nas universidades, muitas vezes nem sendo pagos para isso. Esta situação vai contra o artigo 1º do Estatuto do Bolseiro de Investigação, alínea 5, que diz que “é proibido o recurso a bolseiros de investigação para satisfação de necessidades permanentes dos serviços.”

Quais são os actuais deveres dos bolseiros?

Cumprir com o plano de trabalhos, as regras de funcionamento interno, entregar relatórios intermédios e final

Os bolseiros têm de cumprir o plano de atividades estabelecido, cumprir as regras de funcionamento interno da entidade de apresentar relatórios e elaborar um relatório final de apreciação do programa de bolsa.

Não prestar falsas declarações

Os bolseiros têm o dever de nunca prestar falsas declarações, o que é perfeitamente compreensível, mas no novo estatuto do Bolseiro de Investigação acrescenta-se o facto de a prestação de falsas declarações pelo orientador do bolseiro poderem levar à sua cessação da bolsa.

Entregar a tese até três anos após terminar a bolsa

Os bolseiros têm agora o dever de entregar a tese até três anos após cessação da bolsa, caso contrário, a entidade financiadora poderá exigir a restituição das verbas.

Entregar a tese até três anos após desistir da bolsa

Se tiver decorrido mais de metade do período da bolsa e o bolseiro desistir da mesma, a entidade financiadora poderá exigir a restituição das verbas.