António de Sampaio da Nóvoa, opinião :: O Estado da Investigação em Portugal

mrs_fot-mar-09-01_sampaiodanovoa_01 copy.previewEste é o terceiro testemunho da série “O Estado da Investigação em Portugal”, na qual entrevistámos vários investigadores, em diferentes fases da carreira, a quem pedimos opinião sobre o panorama da investigação científica em Portugal, a carreira académica e o investimento em Ciência.

Este é o testemunho de António de Sampaio da Nóvoa, Reitor da Universidade de Lisboa (UL) e Professor Catedrático do Instituto de Educação, UL. Podem ver a entrevista em vídeo (aqui), ou ler a sua transcrição abaixo.


“Num dos seus últimos textos, Victorino Magalhães Godinho escreveu que o trabalho precário é um cancro para o desenvolvimento económico. Magalhães Godinho tinha toda a razão. E podemos acrescentar que o desemprego jovem é a morte a prazo de uma sociedade, é o desperdício de toda uma geração.

Portugal, apesar de muitos avanços que devemos reconhecer, continua a ser um país com um grande deficit na área da Educação Superior e da Ciência, e nada será resolvido neste país se não adquirirmos consciência desta realidade, e se não a transformarmos em acção pública. Precisamos de transformar os nosso investimentos nesta área, não permitindo que tudo seja cortado, de forma cega, e que assim se ponha em causa o nosso futuro, como país da Cultura e do Conhecimento.

Ainda hoje, por muito estranho que isso nos possa parecer, Portugal continua a ser um contribuinte líquido para a União Europeia na área da Ciência e da Inovação. Dito de outra maneira, damos mais dinheiro para a Europa neste sector, do que aquele que recebemos, quando deveria ser precisamente o contrário. Continuamos a pagar o esforço de Ciência e de Inovação que se faz em países como a Alemanha, a Suécia, ou o Reino Unido. Este facto, este simples facto, revela os erros que cometemos, também por influência do Norte Europeu, na utilização dos fundos comunitários desde os anos 80. Gastou-se de menos no desenvolvimento Cultural e Científico, sector que produz riqueza e que reforça a autonomia da nossa presença no mundo, e gastou-se demais noutros sectores que nos tornam dependentes em relação ao exterior e que agora, como estamos a ver, nos custam tão caro.

Temos de ver claro. Temos de marcar um rumo, de manter um rumo. Não há maneira de reforçar a Ciência, sem reforçar os cientistas. Temos de reforçar as pessoas que trabalham nesta área e que, sobretudo enquanto jovens, têm sido empurrados para um ciclo de precariedades, de sucessivas precariedades, que fragilizam o seu trabalho, e as suas vidas. É preciso dar presente e dar futuro aos nossos investigadores. A mobilidade entre instituições e entre países é fundamental para qualquer percurso académico e científico. Mas a mobilidade não pode ser confundida nem com a precariedade, nem com a instabilidade.

Estou convencido, como sempre estive, de que no panorama das instituições do século XXI, só as Universidades poderão assegurar um espaço de liberdade, de trabalho e de avaliação que é decisivo para o desenvolvimento da carreira científica dos investigadores. Mas para isso, é preciso que não haja vias duais ou jogos duplos. As Universidades não são a barriga de aluguer dos Centros ou dos Grupos de Investigação. As Universidades são, por definição, o lugar da Ciência. É nelas que os investigadores devem estar integrados, por inteiro, com todos os deveres e com todos os direitos desta pertença. Só assim, apostando numa Universidade que é Ciência, se poderá reforçar o conhecimento, promover uma existência de carreiras científicas baseadas no mérito e na qualidade, e colocar todo este património, de Ciência e de cientistas, ao serviço do país e do seu desenvolvimento. É o único futuro com futuro para Portugal.”

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