Encerramento da Maternidade Alfredo da Costa: Alto risco para a saúde pública

transferir (1)Esta segunda feira, dia 25 de Março, foi o primeiro da audiência pela providencia cautelar interposta pelo pessoal da Maternidade Alfredo da Costa (MAC) contra o Ministério da Saúde e o Centro Hospitalar de Lisboa sobre o encerramento anunciado da MAC e a extinção do seu serviço de urgências até ao final do mês de Março.

A imposição do Ministério da Saúde da transferência da MAC para o Hospital Dona Estefânia (HDE), a três anos da transferência definitiva para o futuro Hospital Central de Todos os Santos, demonstra uma vez mais o total desprezo nutrido por este governo contra o estado social e, em particular, o direito à saúde pública, com direitos e qualidade.

Hoje foi o primeiro dia de audiências e, pela MAC falaram António Correia de Campos (ex-Ministro da Saúde), António Marques Valido (ex-Director do Serviço de Neonatologia da MAC), Ana Luísa Gonçalves (Directora do Serviço de Anestesiologia da MAC), Carlos Marques (Director do Serviço de Ginecologia da MAC) e Ana Campos (Directora do Serviço de Obstetrícia da MAC). As audiências prosseguem ao longo da semana no Tribunal Administrativo de Lisboa.

Olhemos para os dados. Na MAC trabalham actualmente 72 médicos, 246 enfermeiros e ainda auxiliares. No HDE trabalham 16 médicos, que neste momento estão a fazer as suas urgências nas instalações da MAC. No HDE, nos últimos 10 anos, houve uma média de 2000 partos por ano. A MAC é a maior maternidade do país e, embora o número de partos tenha vindo a diminuir nos últimos anos (devido à diminuição da natalidade e à abertura de grandes hospitais na periferia de Lisboa), este número é muito superior (5572 em 2011, 4517 em 2012 – coincide com a abertura do Hospital de Loures; e uma previsão de entre 3500-3800 partos em 2013).

Na MAC há quatro salas de operação plenamente equipadas, organizadas contiguamente duas a duas (duas de obstetrícia, duas de ginecologia), o que permite uma actuação muito eficaz das equipas. No HDE há apenas duas salas de operação, com graves erros estruturais (não há um circuito de “sujos” – as doentes e o material esterilizado passam pela mesma porta que o material sujo, e as portas de acesso à mesa de operações pelas quais passam os médicos depois de se esterilizarem têm maçanetas).

Na MAC, no serviço de ginecologia, há 19 camas disponíveis na enfermaria, 5 no recobro cirúrgico imediato, e há cadeiras de recobro de cirurgia do serviço ambulatório. No serviço de obstetrícia, há 11 salas de dilatação, 21 camas no internamento de alto risco, 55 camas no puerpério (pós-parto), 5 camas de recobro pós-operatório, 3 camas para grávidas com patologias muito graves, e 3 camas para mulheres com insucesso na gravidez. No HDE há 4 salas de dilatação, 22 camas para o internamento de obstetrícia e 13 camas para o internamento de ginecologia. Para cumprir o objectivo de 3500 partos por ano, estabelecido pelo Ministério da Saúde para a junção da MAC ao HDE, são necessárias, de acordo com os dados de peritos, 51 camas, que não existem ou sequer cabem actualmente no HDE.

Em relação às consultas, no serviço de ginecologia da MAC existem 10 salas de consulta, no de obstetrícia 17 salas, e 1 a 2 salas no serviço de Procriação Medicamente Assistida (um programa de excelência da MAC). No HDE há no total apenas 15 salas de consulta. A proporção internacionalmente recomendada de doentes em cuidados intensivos para doentes em cuidados intermédio é de 1 para 3. Na MAC esta proporção não consegue ser atingida, mas chega-se ao rácio de 1 para 2.6. No HDE, este rácio é de 1 para 1, tal como o era há mais de 40 anos na MAC.

Na MAC, há três grandes serviços: obstetrícia, ginecologia e neonatologia. Este último serviço sofreu obras estruturantes, que o tornaram o primeiro serviço de neonatologia da Europa com condições absolutamente modernas e numa concepção diferente da tradicional enfermaria em espaço aberto. Optou-se por privilegiar a intimidade das famílias, criando-se cubículos onde a mãe pode ficar com o bebé, com as melhores condições de higiene, num espaço que potencia o cuidado ao recém-nascido, possibilitando inclusivamente que tratamentos possam ser rapidamente efectuados naquele mesmo espaço, em situações em que movimentar o recém-nascido pode por a sua vida em perigo.

A MAC é o segundo hospital a nível nacional com maior actividade de diagnóstico pré-natal, que possibilita uma eficaz condução das grávidas para hospitais que possam fazer assistência ao recém-nascido e eventual cirurgia pediátrica imediata, caso haja caso disso. Em relação a gravidezes de alto risco, passam pela MAC 26% de todas as grávidas com diabetes a nível nacional, e, por outro lado, é a instituição com a mais baixa taxa de transmissão vertical (da mãe para o bebé) de VIH (a nível nacional o valor é de 1.8%, na MAC é de 0.8%). A MAC é a instituição pública com maior número de interrupções voluntárias a gravidez efectuadas, e que mais faz o seu acompanhamento.

A MAC é o principal hospital nacional de tratamento perinatal (grande prematuridade, nascimentos até às 32 semanas), sendo hospital de apoio perinatal diferenciado (não o são nem o Hospital de Loures, nem de Cascais, nem os hospitais privados). A maior parte da actividade em termos de consultas da MAC está relacionada com gravidezes de alto risco, foram 61% das consultas de 2011, e 70% das consultas de 2012. É a unidade com maior número de camas em neonatologia a nível nacional. De toda a região de Lisboa e Vale do Tejo, o INEM envia as doentes directamente para a MAC.

Cada serviço da MAC é composto, e por isso tão rico, por equipas pluridisciplinares, pois este hospital há décadas que tem vindo a defender, e por em prática, uma visão holística da saúde. A sua transferência para o HDE implicará, inevitavelmente (por questões de espaço) uma dissolução destas equipas e, portanto, um retrocesso de vários anos em relação à saúde materno-fetal. Já foi decidido, por exemplo, que o serviço de Procriação Medicamente Assistida da MAC vai ser transferido para o Hospital de São Francisco Xavier, porque não cabe no HDE.

Porquê, então, esta súbita pressa do Ministério da Saúde, que parece poder criar um alto risco para a saúde pública?

As taxas de ocupação da MAC são muito baixas, dirão.
As taxas de ocupação da MAC mantêm-se muito superiores às do HDE, e só não são mais elevadas pela decisão de restrição da administração. O serviço de ginecologia tem uma taxa de ocupação de 50 a 60%, o puerpério de 60% e o internamento de alto risco de 86%.

A MAC precisa de obras, acrescentarão.
A MAC tem vindo a sofrer obras com regularidade, tendo tido obras de fundo durante a gestão da directora Maria José Nogueira Pinto e o valor actualmenteestimado para obras (€1milhão) no edifício (substituição da canalização e reparos no telhado), corresponde apenas a 2% do seu valor patrimonial. As obras que inevitavelmente terão de ser feitas no HDE (a não ser que a opção seja, como também já se falou, colocar os serviços da MAC em contentores no HDE) comportam uma quantia sem dúvida muito superior.

A MAC não faz cirurgias pediátricas, sublinharão.
De facto, não faz. A problemática mais comum nos recém-nascidos são as cardiopatias. Estas têm uma taxa de incidência de 5 a 10 por cada 1000 nascimentos, e, não só nem todas precisam de cirurgia, como a recomendação actual é que a cirurgia não seja imediata ao nascimento. Curiosamente, o HDE também não faz cirurgias cardiotoráxicas. Os bebés que precisem deste procedimento, quer nasçam na MAC, quer nasçam no HDE, são enviados ou para o Hospital de Santa Marta ou para o Hospital de Santa Cruz, que são os hospitais cardiológicos de referencia.
O HDE é um hospital com um trabalho de cirurgia pediátrica reconhecido. Quais são, então, os casos da MAC que são operados no HDE? Nos últimos 25 anos, houve no HDE 1140 operações. Nos últimos 8 anos, a MAC enviou 207 bebés para a cirurgia fetal neonatal ou pós neonatal do HDE. 207 casos em 8 anos são 26 casos por ano, cerca de 2 casos por mês.

É inevitavelmente evidente que se justificaria muito mais que os 16 médicos do HDE fossem inseridos na MAC (para onde já transferiram a sua urgência) do que vice-versa.Este cenário de tentar por o Rossio na Rua da Betesga parece não ter nenhuma explicação verosímil excepto se pensarmos que o edifício da MAC (que tem um valor patrimonial estimado em cerca de €50 milhões) já tenha sido prometido pelo ministro Paulo Macedo a alguém.A estas trocas e baldrocas do governo de Passos Coelho, não temos dúvidas em dizer: a saúde pública não se vende, defende-se!

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