Espanha: Governo criminaliza protestos populares

Jorge Diaz, ministro do Interior espanhol (equivalente ao Ministro da Administração Interna em Portugal) avançou ontem com as propostas para uma reforma do Código Penal. Estas enquadram, entre outras mudanças, a criminalização da resistência pacífica, passando a qualificá-la como “delito de integração em organização criminosa”, que pode ser punido num mínimo de 2 e chegando aos 4 anos de prisão. A convocatória de manifestações através da internet também passa a ter a mesma qualificação e moldura penal, e estará sujeita à interpretação da polícia, sempre que a manifestação não tenha sido notificada, quando os manifestantes se recusem a abandonar determinado local ou haja alteração à ordem pública. A profundidade destas propostas é inequívoca – pretende desestruturar o direito básico à manifestação e à reunião, ameaçando todos quantos participem em protestos contra a situação actual. É um regresso aos anos 30 do século passado.

O ministro do Interior começou por precisar que a pena mínima pelo apelo online a manifestações será de dois anos, e que poderá ser pedida a prisão preventiva para os autores dos ditos apelos.

A resistência pacífica não foi definida pelo ministro, que simplesmente descreveu como um novo crime “desobedecer às Forças e Corpos de Segurança do Estado”. Referiu também a necessidade de “robustecer a autoridade legítima de quem legitimamente tem a exclusividade da actuação pela força, que é a Polícia Nacional, a Guardia Civil e as polícias autónomas, porque não se pode estar passivamente perante as actuações de algumas pessoas que ignoram, insultam e desobedecem às Forças de Segurança”.
Serão introduzidas novas modalidades de “injúrias” à polícia: passarão a incluir comportamentos intimidatórios e ameaças (a ser, claro, avaliadas pela polícia no local). O delito de desordem pública passará a incluir a entrada em estabelecimentos públicos ou privados, assim como a obstaculização de acesso aos mesmos. As quantias exigidas nas coimas passarão a incluir não só os danos produzidos em quaisquer estabelecimentos como também aqueles interpretados como decorrentes da interrupção de serviços.
Até aqui falava-se apenas de protestos não-violentos. Nos casos em que possa existir violência, o ministro pretende a equiparação dos distúrbios nas ruas à Kale Borroka no País Basco, aplicando legislação anti-terrorista.
O responsável pela pasta do Interior do governo autónomo da Catalunha, Felip Puig, afirma abertamente que é necessário “que as pessoas tenham mais medo do sistema”. Como tal, o ministro Jorge Díaz promete para todos os novos crimes que descreveu uma pena mínima de 2 anos de prisão.
É importante recordar que pelo menos dois estudantes catalães que foram detidos na manhã da última greve geral de dia 29 de Março se encontram ainda em prisão preventiva, pelo menos até ao mês de Maio (segundo a juíza, por poderem vir a participar em outros protestos). Há portanto, em antecipação da nova legislação, a inversão da presunção da inocência e as pessoas podem desde já ser detidas pelo que eventualmente puderem vir a fazer politicamente. Esta situação está bastante próxima da constituição de delitos de opinião e restrição à liberdade de associação política.
As manifestações de massas que ocorreram em Espanha em todo o ano de 2011 e também em 2012, assim como as acampadas que despontaram por todo o país, foram sempre manchadas pela intervenção repressiva, violenta, desmesurada e muitas vezes ilegal da polícia, nomeadamente os Mossos de Esquadra na Catalunha, que resultaram num número acumulado de centenas de feridos e de detidos. Esta era a situação antes da “reforma” penal. O governo de Mariano Rajoy pretende agora amordaçar as vozes de descontentamento que troam em todo o estado, com uma taxa de desemprego que chega aos 23,6% e mais de 50% entre os jovens. Tenta calar os gritos que têm mais legitimidade que todas as forças que têm a “exclusividade da actuação pela força”. Mas o povo espanhol saberá responder a todos os tiques ditatoriais do governo ultra-conservador que, como em Portugal, está apostado em destruir o país e dançar sobre os seus escombros.
                                
Escudando-se na necessidade da manutenção da “ordem pública” – a ordem pública do empobrecimento, da submissão e da conformidade absoluta – o governo de Rajoy subverte a constituição espanhola restringindo vários direitos básicos como o da resistência, o da manifestação, o da expressão de opinião e o da associação. Há que recordar que foi também sob a égide da Protecção do Povo e do Estado que em Fevereiro de 1933 se aboliram os direitos constitucionais da República de Weimar. Os fanáticos têm muito pouco apreço pelo significado das palavras .
Os tempos em que vivemos são escuros, mas a memória da História deixa cada vez mais claro o caminho que está a ser percorrido. As leis que o Governo espanhol pretende implementar foram derrogadas há 50 anos, no ocaso do regime de Franco. Em Espanha como em Portugal ou na Grécia infelizmente já se vai conhecendo bem esta situação e este retrocesso histórico. É recorrente nas polícias locais o emprego de tácticas ilegais como a introdução de polícias agitadores, infiltrados e cargas policiais avulsas. No Reino Unido fala-se da introdução massiva de novos químicos para “lidar” com as manifestações. Esta notícia vinda de fora é um sinal para Portugal. A degradação dos direitos constitucionais já era evidente, limitando-se cada vez mais os direitos de manifestação, reunião e associação, mas de Espanha vêm sinais do próximo passo austeritário. A decadência dos regimes que controlam neste momento a Europa mostra a sua crueldade, que é apenas a face mais evidente da sua insensibilidade e prepotência. Mas jamais poderão retirar a dignidade e a legitimidade dos povos de lutar pelas suas vidas. Nem por leis decrépitas, nem pela força.
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