Greve na lusa e no Público: entrevista a Diana Andringa do Sindicato dos Jornalistas (exclusivo)

A Lusa e o Público estão em greve hoje
Os trabalhadores e trabalhadoras da Agência Lusa estão em greve durante 4 dias, afirmando que é absolutamente impossível o nível e quantidade de notícias atuais se se mantiverem os cortes previstos no Orçamento de Estado apresentado esta semana. Ao mesmo tempo, estas e estes trabalhadores estão a fazer circular uma petição no mesmo sentido. Hoje, as e os jornalistas do Público juntam-se à greve da Lusa e por isso os Precários quiseram entrevistar Diana Andringa do Sindicato dos Jornalistas.
As respostas ao ataque social feito em nome da “inevitabilidade da austeridade” têm-se multiplicado a cada semana, e já não conseguem escapar a esta classe profissional, tantas vezes acusada de servir os interesses da classe dominante. 
Precários: Porque é que é importante que a Agência Lusa se mantenha como uma instituição pública e o que achas que se deve exigir de um serviço público de informação?

Diana Andringa: A informação é hoje um sector estratégico da maior importância. Pode ser usada para a desestabilização de zonas do globo, a criação artificial de crises económicas, a naturalização do pensamento neo-liberal – e,  também, no despertar de solidariedades e tomadas de posição, como aconteceu, por exemplo,  com a luta pela independência de Timor. Num tempo em que o poder económico globalizado se coloca acima dos Estados e tenta dominá-los a seu bel-prazer, a existência de uma agência noticiosa é, a meu ver, parte integrante da defesa da soberania nacional. É através dela que recebemos informação vital sobre a nossa inserção nesse mundo globalizado, que somos mantidos em contacto com áreas importantes para a política nacional, seja a União Europeia, a CPLP, os diversos países da diáspora portuguesa. É através dela que recebemos também uma informação actualizada da vida nacional. A informação da Lusa serve de base à de muitos outros órgãos de informação, sobretudo daqueles com menores recursos. Esse trabalho informativo indispensável à vida nacional não pode deixar de ser assegurado pelo Estado. E não se diga que, sendo indispensável, o mercado se encarregará de o fornecer. Os interesses do mercado não são exatamente os da defesa da democracia, da cidadania, da independência nacional.
O que se deve exigir à Lusa? Uma boa informação, rigorosa, verificada, pluralista, e que não esqueça que não é preciso apenas que os factos relatados sejam verdadeiros, é preciso relatar a verdade sobre os factos, ou seja, contextualizá-los. E que seja uma escola de rigor e independência jornalística não só para Portugal mas, também, para os outros países lusófonos a que fornece informação.

Precários: Sobre a greve no jornal Público que hoje se soma à da Lusa, o que tem de diferente uma greve de uma instituição pública de uma que pertence a um grupo económico de uma das pessoas mais ricas e poderosas do país?

Diana Andringa:Talvez seja mais difícil fazê-la, por haver a ideia de que o proprietário não é obrigado a ser um benemérito e continuar a financiar uma empresa que tem prejuízo. Que tem o direito de a gerir do modo mais conveniente para os seus interesses. O problema é que, na Imprensa, as questões nunca são simplesmente laborais: têm um impacto na vida democrática. O desaparecimento de um jornal diminui o pluralismo da informação. Os trabalhadores do Público não defendem apenas os seus postos e/ou condições de trabalho, defendem também o direito de todos nós à informação.

Precários: Num momento em que as e os jornalistas são maioritariamente trabalhadores precários, qual é a importância destes protestos e o que mudanças mostram estes sobre o contexto de luta social?

Diana Andringa: Penso que demonstram uma vitória sobre o medo e uma tomada de consciência sobre a necessidade e a inevitabilidade da luta. Afastando jornalistas mais antigos, com contratos sólidos, substituindo-os por jovens com contratos precários, as empresas julgaram poder diminuir os custos e controlar as redações através da insegurança no trabalho. Aparentemente, essa estratégia de controlo pelo medo está a abrir brechas. Esqueceram-se que, quando se tem menos a perder, volta a ser mais fácil lutar. E, parafraseando uma frase célebre,  o precariado começou a não ter muito a perder, apenas a sua servidão.

Precários: Queres falar-nos dos perigos que um mau serviço de comunicação social pode ter no acesso da população à informação e, consequentemente, dos perigos para a democracia?

Diana Andringa: Referi-me a isso na primeira resposta. Penso que muitos se lembrarão ainda de como tantos órgãos de informação acreditaram na presença de armas de destruição maciça no Iraque, colaborando assim numa estratégia de tensão que conduziu ao envolvimento numa guerra. É um caso extremo. Quando a cobertura de uma greve de serviços é feita, não sobre as razões da greve, mas sobre o possível incómodo para os utentes, ajuda-se a minar a legitimidade das greves. Quando a repressão policial é relatada como “a Polícia viu-se obrigada a usar da força”, vai-se desculpando a brutalidade do poder e o desrespeito pelos direitos humanos. Quando se fala sistematicamente de “bairros problemáticos”, naturaliza-se a discriminação. Quando se utiliza um tom de desprezo ou ironia para falar de políticos, fazendo passar a ideia de que “são todos iguais”, colabora-se na degradação da cidadania. Esta “desinformação”, muitas vezes,  não deriva de um intuito político, mas sim do espírito comercial, por se pensar que o populismo “vende”. E pode ter consequências graves para a democracia.

Entrevista de Ana Feijão.
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