Islândia e Itália: não existe "meia-austeridade"

Hoje tomou posse em Itália um governo de coligação centro-esquerda e direita, enquanto na Islândia, quatro anos depois de se fazer cair o governo que levara o país à bancarrota, se reelege esse mesmo partido para liderar a ilha. A escolha dos partidos por opções de “meia-austeridade” ou “austeridade suave” ou, como dizia Hollande “austeridade de esquerda” não existe. A austeridade é absoluta, porque ela compreende a destruição das sociedades como as conhecemos.

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Hoje, enquanto dentro do Palácio do Quirinal em Roma, o governo de aliança entre o Partido Democrático e o Partido da Liberdade de Silvio Berlusconi tomava posse, um homem do lado de fora começava um tiroteio, resultando deste três feridos (o próprio e dois carabinieri). Rapidamente a imprensa se apressou a informar que o homem era um “doente mental“, obscurecendo a esquizofrenia da tomada de posse que ocorria no interior: perante um gravíssimo quadro de intervenção externa, com a queda de um governo tecnocrata mandatado pela troika, o centro-esquerda une-se à direita para implementar a mesma política de austeridade anterior. Há dois meses sem se conseguir formar governo, a única proposta contra a austeridade a surgir na Itália foi o movimento 5 Estrelas liderado pelo cómico populista Beppe Grillo, que após as eleições rapidamente flexibilizou esta proposta, tendo na semana passada afirmado que “ficaria bastante feliz com um desembarque alemão em Itália” para assim dotar o país “de gente honesta, competente e profissional nos principais cargos”. O governo que hoje toma posse será mais um governo da austeridade e da troika, pronto a implementar o regime da austeridade.

No entanto, na muito mistificada ilha da Islândia, sobre a qual se dizia já ter saído da crise e ter implementado um novo sistema, julgando políticos responsáveis pela crise e conseguindo livrar-se da austeridade, é preciso rever alguns factos:

1) o país nacionalizou os seus 3 maiores bancos privados, cuja dívida, passada para o sector público, era 12 vezes o tamanho do PIB do país (para pagar a dívida do Landbanski, é proposta uma lei chamada IceSave, para reembolsar credores do Reino Unido e Holanda, no valor de 3,5 mil milhões de euros);

2) em Outubro de 2008 o governo de direita pediu um empréstimo de 2,1 mil milhões de euros ao FMI;

3) o Presidente da República promoveu dois referendos ao pagamento desta dívida, e a população votou duas vezes contra o pagamento, o Supremo Tribunal reverteu a decisão popular mas no final uma decisão do Tribunal Europeu do Comércio Livre isentou o estado islandês de pagar;

4) é eleito um governo de coligação de esquerda (Aliança Social Democrata-Movimento Socialista de Esquerda-Verdes)

5) o primeiro-ministro responsável pela gestão desastrosa da dívida dos bancos e pela bancarrota, cujo julgamento suscitou muito furor por toda a Europa, foi absolvido de todas as acusações graves

6) A dívida pública da Islândia está entre os 120 e os 130% do PIB;

7) a Coroa Islandesa (moeda nacional) foi desvalorizada em 50%, levando muitas famílias ao incumprimento, o FMI impõe cortes massivos no Estado Social (equivalentes a 10% do PIB, cortou 17% na Saúde e 5% na educação; o desemprego, que começou em 2008 abaixo dos 2% quase chegou aos 10%, estando hoje nos 7%). Mesmo depois de pagar o empréstimo ao FMI, o governo de coligação manteve a austeridade, reprivatizando a maioria dos bancos que tinham sido nacionalizados, a 2-3% do seu valor;

A escolha da política de austeridade por parte da coligação de esquerda levou à sua queda hoje, tendo os cerca de 300 mil habitantes da Islândia decidido votar nos mesmos partidos que levaram à crise, resgataram os bancos, desregulamentaram tudo. A escolha de políticas de “meia-austeridade” não é uma possibilidade. São inconciliáveis as propostas de um estado social com um regime de austeridade, uma vez que são ideias antagónicas.

Também hoje vimos em Portugal que mais uma vez do congresso do maior partido da oposição saiu a mesma esquizofrenia que varre outros países de Europa e governos como o de Hollande em França: a ideia de que é possível estar dentro e fora do barco, ser a favor e contra a austeridade, ser a favor e contra a troika, como se fosse possível defender Estado Social enquanto se destrói o mesmo. Não existe “meia-austeridade”, austeridade light ou austeridade suave. É um programa político anti-social, déspota, destruidor de populações e economias, retrógrado e violento. Quem o quiser defender terá que assumi-lo e sofrer as consequências da sua implementação.

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