João Bacelo, Brasil :: Investigadores pelo Mundo
Recomeça esta semana o dossier “Investigadores pelo Mundo”, desta vez com testemunhos de investigadores portugueses no Brasil e em França, e de uma investigadora norueguesa que nos dá a perspectiva do seu país.
João Bacelo, a fazer um pós-doc no Brasil, salienta os factos de em Portugal os investigadores com bolsas não terem direito nem a subsídio de desemprego nem a uma contribuição justa para a reforma como contribuições fundamentais para a precariedade na profissão. Nos outros países por onde passou, os investigadores têm contratos de trabalho, o investimento feito em investigação é muito superior ao que é feito em Portugal, e há programas de divulgação científica que tornam públicos os trabalhos de investigação, tornando a profissão melhor compreendida pela população.
João Bacelo | Brasil
1.Que investigação fazes (IC, PhD, pós doc, etc.), área profissional, e o teu trabalho está integrado num projecto de investigação mais amplo ou é um projecto individual?
Neste momento acabo de terminar o meu primeiro pós-doc e estou prestes a começar o segundo, em neurociências, mais especificamente no estudo do autismo. O estudo é integrado num projecto de investigação mais amplo, o que constitui um dos lados mais atractivos por si mesmo, mas também tenho bastante autonomia científica.
2. Que tipo de vínculo contratual tens (bolsa, contrato, etc.)? Financiado por quem? Sempre foi assim?
Quando comecei o meu doutoramento tinha uma bolsa da FCT para o exterior, sem contrato de trabalho. Desde aí fui obtendo financiamentos tanto de organizações estatais como privadas, mas sempre com contrato de trabalho.
3. Que tipo de vínculo têm os teus pares (colegas de laboratório, professores, orientadores)?
A diversidade dos vínculos que vi variou um pouco de acordo com o país onde me encontrava (França, Suíça). Mas como regra geral os orientadores sempre tinham vínculos permanentes com as instituições onde trabalhavam. Quanto aos pares, em geral eram bolseiros, com vínculos temporários, mas com direito a um contracto de trabalho normal, como em qualquer outra profissão. A percentagem de colegas com vínculos permanentes sempre foi baixa, embora bastante mais elevada do que vejo entre os meus colegas em Portugal.
4. Baseando-te na tua experiência, quais as principais diferenças que encontras relativamente à investigação em Portugal?
A principal diferença considero ser a inexistência de um verdadeiro contracto de trabalho para doutorandos e pós-doutorandos em Portugal. Por exemplo, o fato de não se ter sequer direito ao subsídio de desemprego em caso de algum azar, como acontece (ou assim o deveria) em qualquer outra profissão, torna a carreira de investigador em Portugal muito precária. O facto de não se descontar normalmente para a segurança social (reforma) também não a torna particularmente atrativa…
Outra das diferenças refere-se, obviamente, ao financiamento dos laboratórios, que é muito mais elevado nos outros países onde trabalhei. E, tão importante quanto isso, com as infraestruturas existentes nos institutos onde a investigação é realizada. Mais especificamente, na minha área, a existência de ateliers de engenharia e mecânica, assim como de imagiologia, ao serviço dos investigadores, proporciona um muito maior desempenho na investigação em curso. O fato dos investigadores terem acesso a um ambiente de trabalho menos burocratizado e mais dinâmico constitui outro fator importante. Ou seja, há outros fatores, para além do financiamento em si, que diferenciam muito a investigação em Portugal e nos outros países onde trabalhei, e penso que tudo isto reflete uma visão diferente de como a ciência pode contribuir para a sociedade
5. Tens apoio para fazer uma temporada/trabalho de campo noutro instituto/país para melhorar a investigação que fazes?
Sim, tive sempre a sorte de ter acesso a recursos para o efeito.
6. Qual a percepção pública dos investigadores no país onde trabalhas?
Considero muito boa. As pessoas em geral gostam de saber o que se faz cientificamente no pais delas, e há investimento tanto privado como público para a divulgação científica local. O que na minha opinião faz todo o sentido, pois no caso da ciência básica esta é realizada com fundos maioritariamente públicos, e as pessoas tem o direito de saber em que gastamos os seus impostos. De notar que em Portugal esta situação tem vindo a melhorar muito nos últimos anos. Embora ainda se tenha a percepção do investigador como um mero subsídio-dependente, sem se reconhecerem as mais valias que os frutos dessa investigação podem trazer para o país.