O grande plano estratégico da precariedade
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Sei que não devemos falar com base em opiniões ou inferências, mas a minha sociedade protege bem todo o acesso a factos que permitam comprovar aquilo que adiante irei defender. Resta-me a mim e a todos nós a capacidade de pensar logicamente pois a lógica e a razão serão quem sabe o único sustento possível para a nossa revolta.
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Ao contrário daquilo que somos convidados a acreditar relativamente às causas da actual precariedade laboral, tais como a recessão económica internacional, a falta de investimento e empreendedorismo do nosso tecido empresarial, o excesso de taxas e impostos cobrados às empresas, a globalização e competição externa com países detentores de mão-de-obra barata entre outras, acredito que a precariedade laboral, especialmente no que concerne aos jovens licenciados, não é uma consequência inocente ou espontânea de nenhum destes elementos, mas sim o resultado esperado de um plano meticulosamente elaborado.
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Todos ou quase todos actualmente sabemos das semi-secretas reuniões do clube Bilderberg, entre outras ainda mais secretas onde se reúnem representantes de toda a classe dirigente mundial. E todos ou quase todos estamos igualmente a par da cada vez mais debatida GESTÃO ESTRATÉGICA que permite as empresas, organizações, grupos políticos ou até Estados antever resultados a médio e longo prazo. Assim, podemos actualmente inferir que nenhum dos acontecimentos geopolíticos e macroeconómicos é espontâneo e imprevisível mas sim, cuidadosamente premeditado, reflectido, ponderado e claro decidido a favor dos interesses desses mesmos decisores.
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O panorama globalizado, macro-economizado e cada vez mais oligopolizado da realidade à qual me apraz apelidar de neo-liberalismo tardio, conduz-nos a um e apenas um resultado económico: concentração exponencial do capital nas mãos de poucos elementos da sociedade conseguida através da formação dos grandes grupos económicos. Desta forma, com o passar dos anos temos visto desaparecer toda uma classe média. Pessoas que no passado tiveram o seu próprio negócio familiar, estão hoje confinadas a trabalhar em regime precário de prestação de serviços a terceiros, sendo estes maioritariamente os grandes grupos económicos.
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Um fácil exemplo disto são os talhos, mercearias, padarias, frutarias, peixarias, boutiques, sapatarias entre outros negócios de cariz comercial, muitos deles insustentáveis nos dias que correm devido à concentração de todos esses fornecedores de bens e serviços num mesmo espaço comercial detido por apenas um grupo económico ou família… Sonae, Jerónimo Martins, Lidl ou Inditex para enunciar apenas alguns.
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Os jovens claro, também dão por si envoltos nesta recessão e o golpe terá sido simples., tendo muito provavelmente rezado segundo o abaixo descrito;
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Num passado cuja geração remonta apenas aos nossos pais, ter um curso superior era uma indiscutível mais-valia, era garantia de bom emprego e de bom salário. Há não muitos anos um engenheiro saía da faculdade e entrava no mercado de trabalho a ganhar quem sabe… 800 contos mensais, pelo que, querendo o melhor para os filhos, desde pequenos nos venderam essa mensagem (qual presente envenenado que lhes venderam também a eles) “– estuda… vai para a faculdade para um dia seres alguém”.
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Os grandes estrategas do comando mundial não andariam certamente a brincar ao berlinde por esta altura, estando sim atentos a esta tendência sócio-cultural de alimentar o sonho e o plano de praticamente todas as famílias de classe média.
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Fácil foi constatar que estas pessoas estariam dispostas a investir e verificar a igual tendência (que acredito inicialmente genuína) do Estado social em comparticipar os estudos destes novos licenciados, contando claro com os impostos dos nossos pais desde os indirectos incluindo IVA , IRS, IRC , passando pela comparticipação das despesas que incluem transportes, compra de livros e de outros materiais de suporte ao estudo, até às prestações directas como as propinas pagas directamente às faculdades.
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A visão dos grandes grupos terá sido a de uma mina de ouro aproximando-se-lhe das mãos. Fazendo as contas e obedecendo à simples lógica da lei do mercado, daí a poucos anos teriam um excesso de mão-de-obra qualificada que se atropelará para garantir um emprego mesmo que este seja mal remunerado. Os governos, apercebendo-se da mesma realidade não só foram complacentes como decidiram alinhar, pelo plano mais vantajoso… o de sempre, colaborar com os grandes grupos de estrategas sócio-económicos e aproveitar o tempo das vacas gordas nas faculdades públicas e privadas.
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O cenário aí está. Actualmente fornecemos aos grandes capitalistas trabalho qualificado pelo qual somos mal remunerados, e o mesmo engenheiro que, por ter tido a sina de nascer nos anos 80, sai para o mercado a ganhar quem sabe… 800 , mas desta vez euros (e se a isso adicionarmos uma inflação de 20 anos temos o bonito salário relativo).
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Como se não bastasse, temos muitas vezes de trabalhar gratuitamente, gerando lucro para as empresas, a simples pretexto de ganhar experiência laboral. A verdade é que estes estágios não remunerados saem directamente dos bolsos dos nossos pais para os bolsos deste polvo de capitalistas selvagens ao qual não parecemos ter como fugir a não ser através de uma grande revolução social.
Actualmente a classe média está transformada numa massa cada vez mais escrava e limitada. Limitada às simples estratégias de sobrevivência, ao dia-a-dia, ao conformismo… à televisão e aos discursos do aperta o cinto.
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As sociedades da contemporaneidade vivem num imaginário de total alienação dirigido pela comunicação social. Acreditam no que ouvem trocando em apenas duas gerações a missa das 10 na igreja pela missa das 20 frente ao televisor, pois é mais fácil engolir discursos feitos, do que elaborar conjecturas a partir da sua própria capacidade cognitiva. As pessoas continuam a acreditar e a aceitar pois só a crença consegue suportar tamanha sujeição relativamente às constantes especulações nos preços dos bens consumíveis e a um tão escandaloso decréscimo do nível de vida.
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As pessoas continuam a acreditar que o petróleo por ser cada vez mais escasso tem de bater recordes… continuam a acreditar que os cereais por serem cada vez menos cultivados em função da cedência de terras aos biocombustíveis, têm de ser mais caros e esquecem-se de pormenores tão simples como os puros aumentos de lucro das grandes refinarias ou cerealíferas. Esquecem-se da simples situação de sub-humanidade à qual são sujeitos os imigrantes de países como o Paquistão e que trabalham por uma tigela de arroz nas refinarias de petróleo de países como a Arábia Saudita para nos cá pagarmos o litro ao valor que pagamos… (uma nota relativamente ao valor quem sabe mais real do ouro negro… Consta que na Venezuela o gasolina se compra a 0,03€ o litro).
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Conclui-se que a mais valia do trabalho de toda a humanidade, seja ele , mais ou menos qualificado está em percentagens largas a confluir para meia dúzia de contas na Suíça, Médio Oriente ou em offshores afins. Enquanto isso, essa força centríptica confina aos poucos toda a classe trabalhadora aos limiares da mais básica sobrevivência numa autêntica e orweliana prática do colectivismo oligárquico… sem que ninguém faça, ou quem sabe possa já fazer algo para mudar a situação.
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Ass:
Alguém na intermitência do precariado
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(texto de opinião enviado por e-mail aos Precários-Inflexíveis)